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Cientistas afirmam que Deus produziu o Big Bang

Especialistas judeus afirmam que Big Bang e criacionismo se complementam, não se anulam

 

No debate milenar entre a ciência e a religião, os cientistas e os religiosos apresentam seus argumentos tentando convencer os demais. Uma minoria busca um “mínimo denominador comum” convincente.

Esta semana, contudo, o embate entre criacionismo e Big Bang pode ter ganhado um capítulo importante. O professor Nathan Aviezer, da Universidade Bar Ilan de Israel veio a público defender fortemente que as crenças científicas e religiosas podem viver juntas em harmonia.

Ao lançar seu livro “In the Beginning” [No Princípio], ele afirmou que os cientistas há décadas estão buscando pelas ondas produzidas pela gravidade, mas esse tem sido um feito difícil. Afinal, a gravidade é um bilhão de bilhão de vezes mais fraca que as forças elétricas, que também produzem ondas.

Contudo, argumenta, “se houve uma enorme mudança gravitacional, então talvez com algum equipamento muito sensível, você poderia detectá-las.” Para ele, o Big Bang causou essa mudança “por isso não havia esperança de que talvez você pudesse ver as ondulações causadas pelo Big Bang”. É nesse momento que entra o relato do primeiro versículo de Gênesis, onde mostra que Deus criou o céu e a Terra.

 

Embora todos os cientistas também usem um momento inicial para o estabelecer o surgimento do universo, eles não necessariamente atribuem isso a Deus, preferindo argumentar que aconteceu espontaneamente.

Nessa disputa pelo primeiro momento, os cientistas apostam na explosão conhecida como Big Bang, enquanto judeus e cristãos defendem que foi o momento em que Deus disse “Haja luz”.

“A criação da luz foi essencialmente a criação do universo”, resume Aviezer. “Cada palavra escrita na Torá [Antigo Testamento] se encaixa nas descobertas científicas mais recentes. Elas estão em harmonia exata com as palavras da Torá. ”

O renomado rabino Benny Lau, concorda que essa teoria científica é compatível com a história judaica revelada no Livro de Beresheet [Gênesis]. Para ele, os conceitos de tempo na Bíblia não são os mesmos que aqueles que usamos agora, pois ‘um dia’ pode perfeitamente ser o mesmo que um milhão de anos. Mesmo assim, para Lau, as últimas descobertas científicas não alteram o entendimento judaico sobre como tudo começou.

O debate voltou a ocorrer após o material divulgado pelo astrônomo John M Kovac, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian. Esta semana, a equipe de cientistas americanos do projeto BICEP2, anunciou ter encontrado resíduos deixados pela chamada “inflação cósmica”. Esse é o nome dado ao crescimento exponencial pelo qual o universo passou em seu primeiro quadrilionésimo de segundo.

Usando poderosos telescópios situados no Polo Sul, eles comprovaram a existência de “micro-onda cósmica de fundo”, uma radiação muito fraca que permeia todo o universo. Tais ondas gravitacionais deixam marcas ao percorreram o espaço em sua “fase inflacionária”. As chamadas ondas gravitacionais funcionam na cosmologia como uma espécie de “eco” do Big Bang.

“Isso abre uma janela para um novo mundo da física, aquele que ocorreu na primeira fração de segundo do universo”, disse Kovac, que liderou as equipes do BICEP2 (Background Imaging of Cosmic Extragalactic Polarization 2)

Caso seja confirmada, a descoberta dos astrofísicos poderá lhes render um prêmio Nobel, pois seriam as provas necessárias para apoiar a teoria que o universo teve um começo.

O escritor e educador judeu Izzy Greenberg escreveu ao Jerusalém Post que: “Quando perguntamos sobre como o mundo foi criado, nós poderíamos ter tanto um Big Bang [Grande Explosão] quanto um Big Banger [Grande Explodidor]. Lembra que o famoso rabino-chefe de Israel Yitzchak Eizik HaLevi Herzog, em 1957 escreveu: “Segundo uma perspectiva científica, acreditamos que Deus criou bilhões de átomos, para os quais estabeleceu certas leis naturais. Esses átomos mais tarde desenvolveram-se e evoluíram de acordo com essas leis. Mas isso não é diferente que acreditar, segundo o relato simples de Gênesis, que Deus criou os céus e a Terra, no primeiro dia…”.

O professor Aviezri S. Fraenkel, do Instituto Weizmann, expressou um sentimento semelhante. Ele defende que a moderna teoria da cosmologia e a religião judaica, na verdade, podem se ajudar e se explicar mutuamente. Elas não anulam uma à outra. “Na verdade, as teorias modernas, mesmo que se aprofundem cada vez mais, ainda não explicam todos os fatos observados no cosmos, conferindo apenas um novo significado para o versículo de Salmo 92:5: “Quão grandes são, SENHOR, as tuas obras! Mui profundos são os teus pensamentos“. Com informações de Jerusalem Post.

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Jovens brasileiros conciliam bem ciência e religião

 

Pesquisa revela que a maioria dos estudantes do ensino médio não vê a fé como barreira à aceitação da teoria evolutiva de Darwin

28 de abril de 2012 | 18h 38

Herton Escobar

A maioria dos jovens brasileiros vive em paz com suas crenças religiosas e a ciência da teoria evolutiva. Tem fé em Deus e, ao mesmo tempo, concorda com as premissas estabelecidas por Charles Darwin mais de 150 anos atrás, de que todas as espécies da Terra – incluindo o homem – evoluíram de um ancestral comum por meio da seleção natural. É o que sugere uma pesquisa realizada com mais de 2,3 mil alunos do ensino médio no País, coordenada pelo professor Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

Veja também:


link Biólogos querem reforçar ensino da evolução

Futuro? Uma interpretação mais elástica das doutrinas religiosas e mais sensível à ciência - Marcos Müller/AE

Marcos Müller/AE

Futuro? Uma interpretação mais elástica das doutrinas religiosas e mais sensível à ciência

A conclusão flui de um questionário sobre religião e ciência respondido por estudantes de escolas públicas e privadas de todas as regiões do País, com média de 15 anos de idade. A base de dados e a metodologia usadas na pesquisa foram as mesmas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), segundo Bizzo, para garantir que os resultados fossem estatisticamente representativos da população estudantil brasileira. “É o primeiro dado com representatividade nacional sobre esse assunto para esta faixa etária”, diz o educador, que apresentou os dados pela primeira vez neste mês, em uma conferência na Itália.

“Ainda vamos fracionar e analisar mais profundamente as estatísticas, mas já dá para perceber que os alunos religiosos brasileiros são bem menos fundamentalistas do que se esperava”, avalia Bizzo, que também é formado em Biologia e tem livros e trabalhos publicados sobre a história da teoria evolutiva. “É surpreendente. Algo que sugere que no futuro teremos uma população com uma interpretação mais elástica das doutrinas religiosas e mais sensível à ciência.”

Aos 15 anos, diz Bizzo, os jovens estão passando por uma fase de definição moral, em que consolidam suas opiniões sobre temas fundamentais relacionados à ética e à moralidade. “É um período crucial. Dificilmente os conceitos de certo e errado mudam depois disso.”

O questionário apresentava aos alunos 23 perguntas ou afirmações com as quais eles podiam concordar ou discordar em diferentes níveis. Mais de 70% disseram que se consideram pessoas religiosas e acreditam nas doutrinas de sua religião (52% católicos e 29% evangélicos, principalmente, além de 7,5% sem religião). Ao mesmo tempo, mais de 70% disseram que a religião não os impede de aceitar a evolução biológica; e 58%, que sua fé não contradiz as teorias científicas atuais. Cerca de 64% concordaram que “as espécies atuais de animais e plantas se originaram de outras espécies do passado”.

Só quando a evolução se aplica ao homem e à origem da vida, as respostas ficam divididas. Há um empate técnico, em 43%, entre aqueles que concordam e discordam que a vida surgiu naturalmente na Terra por meio de “reações químicas que transformaram compostos inorgânicos em orgânicos”. E também entre os que concordam (44%) e discordam (45%) que “o ser humano se originou da mesma forma como as demais espécies biológicas”.

Sensibilidade. Os pesquisadores chamam atenção para o fato de que nenhuma das respostas que seriam consideradas fundamentalistas, do ponto de vista religioso, ultrapassam a casa dos 29%, porcentagem de entrevistados que se declararam evangélicos (denominação em que a rejeição à teoria evolutiva costuma ser mais forte). Apenas em dois casos elas ultrapassam 20%: entre os alunos que “discordam totalmente” que o ser humano se originou da mesma forma que as outras espécies (24%) e que os primeiros seres humanos viveram no ambiente africano (26%).

“A porcentagem dos que rejeitam completamente a origem biológica do homem é menor que a de evangélicos da amostra, o que é uma surpresa, já que os evangélicos no Brasil costumam ser os mais fundamentalistas na interpretação do relato bíblico”, avalia Bizzo. “A teoria evolutiva é talvez a coisa mais difícil de ser aceita do ponto de vista moral pelos religiosos. Mesmo assim, os dados mostram que a juventude brasileira é sensível aos produtos da ciência.”

Divulgada em 1859, com a publicação de A Origem das Espécies, a teoria evolutiva de Charles Darwin propõe que todos os seres vivos têm uma ancestralidade comum, e que as espécies evoluem e se diversificam por meio de processos de seleção natural puramente biológicos, sem a necessidade de intervenção divina ou de forças sobrenaturais – um conceito amplamente confirmado pela ciência desde então.

Apesar de ser frequentemente (e erroneamente) resumida como “a lei do mais forte”, a teoria evolutiva é muito mais complexa que isso. A Origem das Espécies tinha 500 páginas, e Darwin ainda considerava isso muito pouco para explicá-la. Desde então, com o surgimento da genética e o desenvolvimento de várias outras linhas de pesquisa evolutiva, a complexidade da teoria só aumentou, dificultando ainda mais sua compreensão – e, possivelmente, sua aceitação – pelo público leigo.

“O problema é que a maioria dos estudantes – ainda mais com 15 anos – não tem muita clareza sobre o que está envolvido na teoria darwiniana. Com isso há o potencial de surgirem respostas contraditórias”, avalia o físico e teólogo Eduardo Cruz, professor do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Isso não tem a ver com a qualidade da pesquisa, mas com a pouca compreensão de temas tanto científicos quanto teológicos. Além do que, quando se trata de perguntas que envolvem a intimidade das pessoas, as respostas nem sempre são confiáveis. É como perguntar a rapazes de 15 anos se ainda são virgens.”

Aceitação. Uma pesquisa nacional realizada pelo Datafolha em 2010, com 4.158 pessoas acima de 16 anos, indicou que 59% dos brasileiros acreditam que o homem é fruto de um processo evolutivo que levou milhões de anos, porém guiado por uma divindade inteligente. Só 8% acreditam que o homem evoluiu sem interferência divina. Os dados também mostram que a aceitação da teoria evolutiva cresce de acordo com a renda e a escolaridade das pessoas – o que pode ou não estar relacionado a uma melhor compreensão da teoria.

“Há uma discussão se a aceitação depende do entendimento, e uma análise mais precisa será realizada, mas uma análise superficial dos dados não encontrou essa correlação”, afirma Bizzo sobre sua pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Faculdade de Educação da USP. “Há indícios de que a compreensão básica seja acessível a todos e que a decisão de concordar que a espécie humana surgiu como todas as demais não depende de estudos aprofundados na escola.”

Para a filósofa e educadora Roseli Fischmann, os resultados da pesquisa são “compatíveis com a capacidade dos jovens de viver o mundo de descoberta da ciência sem abalar sua fé”.

“A fé, se bem sustentada, não é ameaçada pelo conhecimento científico”, diz Roseli, coordenadora da Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista e professora da USP. “Sozinhas, nem a ciência nem a religião garantem que o ser humano seja bom e que o bem comum seja alcançado. É preciso a presença da ética, do respeito a todo ser humano, da consciência da responsabilidade individual na construção do bem comum.”

Pensar de forma analítica reduz fé em Deus, diz estudo

Pensar de maneira mais analítica induz as pessoas a acreditar menos em Deus, segundo um estudo publicado na edição passada da revista Science. Os pesquisadores, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, submeteram cerca de 180 alunos de graduação a uma bateria de testes e questionários e descobriram que, ao forçar os estudantes a pensar de forma mais analítica sobre algum assunto, esse raciocínio influenciava a sua fé, tornando-os menos religiosos.

Acredita-se que o cérebro humano tem dois “modus operandi” para processar informações e tomar decisões: um mais intuitivo e outro mais analítico. Os resultados do estudo sugerem que a religiosidade flui do modo intuitivo e perde força à medida que as pessoas são forçadas a pensar de modo mais analítico.

Em um dos testes aplicados, os alunos eram apresentados com problemas matemáticos que tinham uma resposta intuitiva errada e uma resposta analítica correta. Depois, respondiam a um questionário sobre sua fé e religiosidade. Os alunos que resolviam os problemas de forma analítica relatavam acreditar menos em Deus. / H.E.

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Rosinha Garotinho contra Darwin


Governo do Rio de Janeiro institui aulas que questionam a evolução das espécies

ELISA MARTINS e VALÉRIA FRANÇA

Presbiteriana, eleita com amplo apoio das igrejas evangélicas, a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus, reacendeu uma velha disputa sobre a separação entre religião e Estado. Desde o fim de março, metade dos alunos da rede pública, 761.280 jovens a partir de 7 anos de idade, vem tendo aulas de religião. O Ministério da Educação recomenda que essas aulas dêem noções aos alunos sobre o que dizem todas as religiões, sem emitir opinião sobre elas. No Rio, porém, a orientação é diferente – há professores religiosos, que dão aulas sob o ponto de vista de suas crenças. O currículo básico prevê ”reflexões sobre a criação de Deus como um ato de amor”, mas não determina o que realmente será ensinado nas escolas. Pela flexibilidade, parte dos alunos está aprendendo – 145 anos depois de o evolucionista inglês Charles Darwin publicarOrigem das Espécies – que o homem foi criado do barro e a mulher veio da costela de Adão. ”Criacionismo não faz parte do programa mínimo de aulas”, diz a coordenadora de educação religiosa da Secretaria Estadual de Educação, a católica Edilea Santos. ”Mas, se o professor quiser falar sobre isso, não temos como saber. Quando ele fecha a porta da sala, só Deus é testemunha”, afirma.

Marcia Foletto/Ag. O Globo

Reprodução


DÚVIDA
”Não acredito na evolução das espécies”, declarou Rosinha

CONSENSUAL
A teoria de Darwin vem sendo comprovada há um século e meio

A lei que oferece aulas confessionais de religião nas escolas públicas do Rio vem de 2002, do governo de Anthony Garotinho, marido da governadora. No ano passado, Rosinha abriu concurso para 500 novos professores confessionais – 342 vagas para católicos, 132 para evangélicos e 26 para os demais credos. Hoje, há 793 professores de religião pagos pelo Estado em escolas de 92 municípios do Rio. A política é obra de uma governadora que anunciou em entrevista a O Globo: ”Não acredito na evolução das espécies. Tudo isso é teoria”.

As posições defendidas pela governadora e sua equipe deixaram a comunidade científica em pânico. ”A teoria criacionista, em contraponto ao evolucionismo, não se sustenta. Pode até gerar confusão na cabeça do aluno. É uma propaganda enganosa”, acusa o físico Ennio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). ”É uma instrumentalização pouco ética de usar o poder político para impor tendências, induzir à propagação de crenças ou leituras particulares de textos tradicionalmente sagrados.” A crítica não é contra o ensino religioso, mas contra a pregação de uma crença religiosa como se fosse um argumento científico.

Denise Adams/ÉPOCA

CIENTISTA
Marcia, doutora em Microbiologia pela USP, coordena o núcleo de criacionismo em uma universidade adventista

A briga religiosa contra a biologia surgiu em meados do século XIX, quando o naturalista Charles Darwin lançou uma teoria revolucionária para explicar a diversidade da vida. Segundo Darwin, as espécies evoluem a partir de mutações geradas ao acaso. Os indivíduos com características vantajosas, como um pássaro com bico mais afiado ou um peixe com nadadeiras mais fortes, têm mais chances de sobreviver e passar esses traços às próximas gerações. Assim, gradualmente, as espécies vão se transformando. Essa visão foi criticada pelos religiosos desde o início por tirar do homem o status de ”criado à imagem e semelhança” de Deus, rebaixando-o a um mero macaco aperfeiçoado (o homem tem 98,5% do DNA igual ao do chimpanzé). Desde 1859, quando Darwin lançou seu livro, suas idéias foram sendo em parte comprovadas e em parte aperfeiçoadas por pesquisas – e se tornaram o padrão das Ciências Naturais. Hoje, a teoria da evolução suscita debates na comunidade acadêmica, mas não porque se duvide de sua validade. O que se discute, a partir de novas evidências, são detalhes como qual seria o ritmo da criação de espécies e de que forma alguns fatores – mudanças climáticas, por exemplo – podem acelerar esse processo. Os antropólogos acreditam que nossa espécie é apenas a mais bem-sucedida de um punhado de primatas que, há 6 milhões de anos, se separou do ramo dos macacos atuais. Os humanos de hoje, o Homo sapiens, surgiram entre 250 mil e 150 mil anos atrás.

A maioria das religiões cristãs se adaptou, ao longo do tempo, ao avanço da Ciência. Elas lêem o texto do Gênesis – o livro bíblico que trata da criação do mundo – como um relato simbólico, que não deve ser tomado ao pé da letra. Afinal, era esse o tipo de linguagem que os escribas religiosos judeus usavam por volta do século IX a.C., quando o livro foi escrito. Pensadores católicos ou de várias linhas protestantes de lá para cá reafirmam que a crença não é incompatível com a Ciência, desde que se entenda o relato do Gênesis dentro de seu contexto original. Quem discorda dessa visão são os grupos conhecidos como fundamentalistas – aqueles que defendem a idéia de que a Bíblia deve ser lida de forma literal, como se fosse um livro científico escrito no século XX. O principal hábitat desse grupo, composto de algumas denominações evangélicas, são os Estados Unidos – o país onde o criacionismo nasceu e tornou-se mais difundido. A disputa lá é antiga. Caso célebre foi a condenação, em 1925, de um professor, John Scopes, acusado de ensinar evolucionismo aos alunos. No Estado do Tennessee, onde o fato se deu, o ensino da teoria de Darwin era proibido por lei. Em 1999, o Conselho da Educação do Estado de Kansas também decidiu suprimir a matéria das escolas públicas. Em 2001, ä pressionado pela opinião pública, voltou atrás. Um ano depois, Ohio deixou por conta das escolas a opção de incluir o criacionismo nas aulas de Biologia. Segundo o Instituto Gallup, 90% dos americanos acreditam que Deus desempenhou algum papel na criação. Outras pesquisas apontam que 45% crêem na formação do mundo exatamente como relata o Gênesis. Também é o caso da governadora Rosinha.

Roberto Setton/ÉPOCA

PRÁTICA
A enfermeira Andréa está satisfeita com a confirmação da fé

Os criacionistas brasileiros são descendentes de uma geração de crentes que tenta encontrar razões científicas para comprovar a história do Gênesis bíblico. Chamados de neocriacionistas, eles não são exatamente do tipo que anda com aBíblia embaixo do braço para defender suas idéias, mas enxergam Deus nas menores frestas do darwinismo. Em geral aceitam, até certo ponto, a evolução. Não admitem, no entanto, que ela tenha por si só possibilitado o advento de animais e plantas ditos superiores, uma obra de Deus. Esses neocriacionistas, como seus adversários, têm Ph.D. em universidades americanas. O bioquímico americano Duane Gish, por exemplo, vice-presidente do Institute for Creation Research (ICR), já esteve no Brasil cinco vezes, dando palestras até na Universidade de São Paulo (USP). Gish contesta não apenas a teoria da evolução como a mais aceita sobre a origem do Universo, a do big bang – que, mesmo entre os cientistas, é polêmica.

Idéias como a de Gish são disseminadas pela Sociedade Criacionista Brasileira, com mil associados. ”Nosso objetivo é divulgar a idéia no país”, diz o presidente, professor Ruy Vieira. Sem vínculo com nenhuma entidade religiosa específica, a organização traduz e edita livros sobre o tema para todas as faixas etárias. Tem livros até para os alunos do ensino fundamental. Um dos principais focos de ensino criacionista no Brasil é a rede particular de escolas e universidades adventistas. Há cinco anos, o Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) montou o Núcleo de Estudo das Origens (NEO) para orientar seus cerca de 4 mil alunos. Dentro do currículo dos cursos de graduação, há um curso chamado Ciência das Origens, ministrado por seis acadêmicos de várias áreas. ”Usamos teorias científicas para provar e fortalecer o criacionismo”, diz Euler Pereira Bahia, reitor da universidade.

A Sociedade Criacionista Brasileira produz material didático

Durante o curso, tenta-se apontar falhas da teoria evolucionista. Em uma das aulas, o professor Urias Takatohi mostra slides de uma viagem que ele fez ao Grand Canyon, nos Estados Unidos, para falar de Geologia. São o gancho para que ele diga que aquelas rochas expostas no desfiladeiro não exibem evidências de um período geológico conhecido como ordoviciano, que ocorreu entre 490 milhões e 430 milhões de anos atrás e foi marcado pela explosão de espécies dos mares e pela diversificação na flora dos continentes. ”Isso mostra que pode haver falhas na teoria da evolução”, diz Urias Takatohi, doutor em Física pela USP. Ouvinte atenta, a aluna Andréa Veiga Abreu, de 27 anos, ficou muito satisfeita com a explicação. Filha de pais evangélicos, ela cresceu ouvindo que Deus criou o céu e a terra. Na igreja, recebeu aulas esclarecedoras sobre as passagens bíblicas. ”Na faculdade minha fé está sendo reforçada com exemplos da vida real”, diz Andréa, que está no 3o semestre de enfermagem da Unasp e trabalha no Hospital São Luiz. Já Ingrid Tatiana dos Santos, de 23 anos, no último ano de Biologia, teme não estar se aprofundando o suficiente em conhecimentos essenciais por limitações religiosas. ”O contato com a teoria evolucionista pura, que é importante na minha formação, acontece apenas superficialmente”, reclama a aluna, que ao nascer foi batizada na Igreja Católica.

Na Unasp, 4 mil graduandos têm aulas que questionam Darwin

O curso é justificado pela coordenadora do NEO, Marcia Oliveira de Paula, de 43 anos, doutora em Microbiologia pela USP. ”O resultado é que o aluno aprende mais do que o MEC exige”, diz. Está acostumada a ser alvo de críticas dos colegas. ”Nem sempre as pessoas entendem quem tem idéias diferentes”, diz. A doutora foi criada numa família adventista e adaptou os conhecimentos que adquiriu a sua fé. Quando discute a origem da vida, adverte que o tempo cronológico da formação do Universo segundo os criacionistas diverge da linha aceita pela Ciência. ”O planeta tem apenas de 10 mil a 6 mil anos de existência”, sustenta. A estimativa vem da idade suposta dos patriarcas citados na Bíblia. Mas é difícil dizer que foi naquele tempo que Deus criou o mundo porque, segundo a arqueologia consensual, há 6 mil anos os povos da Mesopotâmia (hoje Iraque) já estavam desenvolvendo a escrita.

As principais diferenças

ELISA MARTINS e VALÉRIA FRANÇA

AS HISTÓRIAS DA VIDA
Segundo os cientistas, a Terra surgiu há cerca de 4,5 bilhões de anos. Mas o grupo criacionista do Núcleo de Estudo das Origens afirma que a história do mundo começou há 6 mil anos

Versão científica da evolução da vida e
da história das civilizações


De 4,6 a 4,5 bilhões de anos

A Terra se forma a partir de matéria solta em torno do Sol


3,8 bilhões de anos

As primeiras bactérias surgem, estimuladas por tempestades elétricas


De 245 a 65 milhões de anos

Os répteis evoluem para os dinossauros, que dominam o planeta


65 milhões de anos

Um cataclismo, provavelmente um meteoro, extingue os dinossauros

Versão científica
Versão criacionista

150 mil anos
O Homo sapiens surge na África a partir de primatas mais primitivos

6.314 anos (4310 a.C.)
Deus criou a Terra, com os
mares, o céu e os bichos

6 mil anos (4000 a.C.)
Povos da Mesopotâmia (atual Iraque) desenvolvem a escrita

6.314 anos
Logo depois de criar o mundo, Deus também fez os seres humanos

5.200 anos (3200 a.C.)
Ascensão da civilização egípcia e construção das pirâmides

4.314 anos (2310 a.C.)
O dilúvio exterminou várias espécies, inclusive os dinossauros

4 mil anos (2000 a.C.)
Organização das cidades-estado na Grécia, como Atenas e Esparta

4.314 anos
Em questão de dias, as águas baixaram, dando lugar à fauna atual

Fotos: Repodução