Categorias
Ciência Cultos

Coreia do Sul: líder de igreja onde se disseminou o coronavírus pode ser indiciado por assassinato

O fundador da Igreja de Jesus Shincheonji, também conhecida como Templo do Tabernáculo do Testemunho, se ajoelha diante de jornalistas durante coletiva de imprensa na cidade de Gapyeong, na Coreia do Sul Foto: YONHAP / REUTERS

O líder da igreja Shincheonji da Coreia do Sul deve enfrentar acusações de assassinato pela disseminação do vírus causador do COVID-19 no país, que tem mais de 4 mil casos de infecção confirmados.

Autoridades alegam que a igreja Shincheonji está no centro da disseminação do vírus que se espalhou pela Coreia do Sul, em parte devido a sua natureza secreta e às tentativas de seus membros de ocultar sua afiliação.

De acordo com o New York Times, o líder Lee Man-hee disse na semana passada aos seguidores da seita que a epidemia foi resultado do “mal que ficou com ciúmes do rápido crescimento da Shincheonji”, e os membros se recusaram a cooperar com as autoridades que administram os testes para o vírus.

Vários meios de comunicação relataram que a igreja — cujos críticos costumam a descrever como uma seita — é tão secreta que um funcionário da área de saúde do governo de Daegu que supervisionou a resposta ao COVID-19 não revelou que ele próprio era membro da Shincheonji até ter um resultado positivo para a doença.

Após mais de 24 mortes relacionadas ao coronavírus na Coreia do Sul e uma rápida disseminação de milhares de casos confirmados, a Reuters informou que as autoridades de Seul estão buscando uma investigação sobre Lee e 12 outros indivíduos sob acusações criminais de assassinato e violação de lei de controle de doenças.

Segundo a agência de notícias, o prefeito de Seoul, Park Won-soon, alega que as mortes relacionadas ao vírus poderiam ter sido evitadas se o alto-escalão da igreja aderisse a protocolos preventivos.

Apesar da preparação avançada da Coreia do Sul para conter a disseminação do coronavírus, a recusa de Shincheonji em tomar medidas preventivas, juntamente com sua crença bizarra de que a doença é um pecado, se manifesta nas pessoas que participam de seus rituais mesmo quando já têm sintomas. Para piorar, os cultos são feitos em locais apertados, onde os membros precisam se sentar juntos e acabam se infectando.

Citando ex-membros da igreja, o Wall Street Journal informa que é dito aos fiéis que eles viverão para sempre, e dizem que os seguidores de Shincheonji acreditam que Lee representa a segunda vinda de Jesus Cristo e é o único intérprete dos códigos secretos contidos no Livro do Apocalipse.

Lee, 88, pediu desculpas pelo surto da doença em uma coletiva de imprensa na qual ele se curvou por duas vezes e falou por 25 minutos. Segundo o WSJ, Lee disse que a seita “prometeu cooperar ativamente com o governo e enviará a lista completa de membros”, apesar de anteriormente ter se recusado a fazer isso.

O jornal norte-americano informou que mais de 1 milhão de sul-coreanos assinaram uma petição formal pedindo que a seita fosse dissolvida.

Em um comunicado, Park disse que os promotores ligados à investigação “deveriam investigar e punir os principais líderes da igreja Shincheonji, responsáveis pela recente disseminação do vírus mortal, de maneira rápida e severa”.

Fonte: Ariquemes Online

Categorias
Ciência Cultos

Como o secretismo de uma seita ajudou a propagar o coronavírus

Por Luís M. Faria- via MSN
Na Coreia do Sul, país onde abundam as seitas, o escândalo é apenas o mais recente de muitos

Lee Man-hee fundou a igreja Shincheojin em 1984© Getty Images Lee Man-hee fundou a igreja Shincheojin em 1984 Um dos países mais atingidos pela epidemia do Covid-19 é a Coreia do Sul. Neste momento tem o segundo maior número de infectados depois da China e o quarto maior número de vítimas mortais, a seguir à China, à Itália e ao Irão. Elemento central na situação coreana é uma igreja até agora pouco conhecida fora do país, a Shincheonji, ou, Igreja de Jesus, o Templo do Tabernáculo do Testemunho. É uma de muitas seitas que existem no país maioritariamente não-religioso, mas onde o cristianismo permanece a religião mais praticada, seguida do budismo.

O papel da Shincheonji na epidemia tornou-se conhecido quando uma mulher de 61 anos teve um acidente de automóvel e foi internada. Dias depois, constatou-se que estava infectada. À medida que a sua história foi sendo investigada, percebeu-se que era membro da igreja e que tinha participado em missas e comido num buffet. A quantidade de pessoas que infectou, ao que tudo indica, foi substancial. Fala-se em cerca de quarenta pessoas, que por sua vez terão infectado muitas mais.

Como a mulher foi a 31ª pessoa a ser identificada com o vírus, apelidaram-na “doente 31” e rapidamente começou a ser objeto de vilificação. Mas a culpa não foi só dela. Muitas das suas acções, incluindo o facto de não ter revelado sintomas que já lhe eram percetiveis, correspondem ao que é normal na sua igreja. A Shincheonji obriga os seus membros a comparecerem nos serviços mesmo quando estão doentes. As orações são feitas com os membros muito próximos uns dos outros, e são proibidos de usar máscara no templo, por se considerar que isso ofende a Deus.

Acima de tudo, a igreja encoraja os seguidores a ocultarem a sua condição de membros, em parte para facilitar as práticas de proselitismo subrreptício que têm feito com que seja vista como uma das seitas mais agressivas no país, e mesmo fora, inclusivé na China. Apesar de este país proibir os missionários, a Shincheonji parece ter tido bastante sucesso.

Um profissional de saúde infectado

A epidemia agora desencadeada partiu de um templo da Shincheonji situado em Daegu, uma cidade no sul do país. Membros chineses provenientes da cidade chinesa de Wuhan – o foco original do Covid-19 – poderão estar na origem do surto. Seja como for, a epidemia não demorou a espalhar-se, atingindo alvos por vezes inesperados. Uma das surpresas foi a de descobrir que o diretor do serviço de prevenção de doenças infecciosas da cidade era membro da seita e estava infectado, tal como um polícia e uma professora de uma escola.

Quando o caso da doente 31 foi noticiado e começaram as críticas, a igreja instruiu os fiéis para desobedecerem às ordens do governo e esconderem que eram membros. Numa mensagem que escreveu numa aplicação interna da igreja, Lee Man-hee dizia: “Este caso de doença é visto como a obra do demónio para parar o rápido crescimento da Shincheonji. Tal como as provas que Job atravessou, é para destruir o nosso avanço”.

A Shincheonji é agora acusada de ter impedido as autoridades de monitorizar e isolar as pessoas infetadas. Só depois de as autoridades revistarem instalações da igreja, levando computadores com a lista de membros, é que a igreja disponibilizou finalmente os nomes, garantindo que estava a fazer tudo para ajudar as autoridades.

Recrutamento ardiloso

A Shincheojin foi fundada em 1984 por Lee Man-hee, um homem atualmente com 88 anos que diz ser a reencarnação de Cristo e promete levar 144 mil fiéis para o céu com ele. Neste momento, a igreja conta com mais de 245 mil membros, e mais algumas dezenas de milhares noutros países. Na China, é considerada a seita cristã mais agressiva, até pelo hábito que tem de infiltrar outros grupos religiosos e recrutar entre eles.

Ex-membros da igreja têm descrito um processo típico de recrutamento. São abordados por pessoas simpáticas e joviais que se propõem conviver com eles, muitas vezes sem referir a sua pertença àquela igreja, ou até negando que pertençam a alguma. Quando o potencial recruta já está cativado, sugerem-lhe que participe nalguma atividade, por exemplo um estudo da Bíblia, e o processo vai avançando. Se o recrutamento se concretiza, o novo membro passa a ter as mesmas obrigações dos outros, incluindo a de recrutar ativamente.

Muitos membros são pessoas que se encontravam em situações de relativo desamparo emocional e procura-se que estejam sempre rodeados de amigos da igreja, para dar apoio e sobretudo para garantir que ficam monitorizados em permanência. Os monitorizadores são conhecidos por “olhos”, e os novos membros como “fruta nova” ou “novos frutos”.

Esperança e nacionalismo

Com dez mil missionários em atividade – o maior número depois dos Estados Unidos – a Coreia do Sul é terreno fértil para seitas. Ao longo das décadas, não têm faltado escândalos a envolvê-las. Um dos casos notórios dos últimos anos levou à demissão da presidente Park Geun-hye, em 2016, num caso de corrupção em que um dos protagonistas era uma amiga, filha do fundador de uma seita xamânica, a Igreja da Vida Eterna, que negociava vendas de decisões politicas através de subornos. Outro caso aconteceu em 2014, quando o afundamento de um ferry matou 304 pessoas, na sua maioria crianças. Não demorou a saber-se que o líder de uma tal Igreja Evangélica Batista

tinha reconvertido o navio de uma forma que o deixara sem condições mínimas de segurança.

Ainda em julho passado, o líder de um culto apocalíptico foi preso por sequestrar, espancar e escravizar centenas dos seus seguidores. E também tem havido escândalos sexuais, com líderes que abusam sexualmente de membros durante bastante tempo.

Um professor de Busan que estuda as seitas, Tark Ji-il, explicou ao “South China Morning Post” que o apelo tem muito a ver com a sucessão de tragédias que atingiram o país durante o século XX. Primeiro a ocupação japonesa, depois a guerra civil, e finalmente a ditadura militar: “A igreja falava do reino dos céus, mas os cultos prometiam o reino na terra e o fim iminente do mundo, de modo que tudo podia mudar”. Tudo isso à mistura com apelos nacionalistas, pois a salvação é apresentada como algo dirigido e destinado aos coreanos. Mesmo depois do Covid-19, isso continuará a acontecer durante bastante tempo.