Estatuas destruídas. Memórias vivas.
1. O arco entre 23 de maio e 19 de julho é de muita emoção e reflexões em Palermo, a capital da região da Sicília.
Todos os anos, com a alma apertada e o coração a sangrar, sinto esse clima ao participar de parte dos eventos de memória. Isto como copalestrante, no Palácio da Justiça, em congressos promovidos pela Universidade de Palermo e pelo Conselho Superior da Magistratura da Itália.
2. No ano de 1992, nesse curto espaço de tempo entre 23 de maio e 19 de julho, a Máfia siciliana, também conhecida por Cosa Nostra, dinamitou os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino.
Na tragédia de Capaci, com Falcone, morreram sua esposa e três homens da escolta. A explosão em via D´Amelio, além de Borsellino, matou cinco membros da sua escolta. Pela primeira vez, uma mulher de escolta foi eliminada em função.
Detalhe relevante: após a explosão ocorrida no dia 19 de julho de 1992, de dentro do automóvel de Borsellino, estacionado a poucos metros do ponto da detonação, foi aberta a sua pasta (estava no assoalho do banco traseiro) e retirada a sua agenda (de cor vermelha) de anotações sobre a Cosa Nostra e as suas ligações com o mundo dos políticos e dos agentes do serviço secreto do Estado italiano.
Até hoje, não se descobriu quem furtou a “agenda rossa” (agenda vermelha) de Borsellino.
3. Na véspera da abertura do início das cerimônias programadas para 17, 18 e 19 julho de 2010, voltadas à memória e, também, às reflexões sobre a trágica morte de Borsellino, a cultura mafiosa demonstrou estar viva e resistente. Ou seja, durante a madrugada um grupo de jovens destruiu as estátuas de Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, feitas em gesso pelo premiado escultor palermitano Tommaso Domina.
4. Em Palermo, ontem, defronte ao Palácio da Justiça de Palermo onde se realizava um encontro de debates sobre o fenômeno mafioso em memória a Borsellino, centenas de jovens realizaram a denominada “Passeata da Agenda Vermelha”, a mostrar que a sociedade civil continua a cobrar do Estado explicações sobre o misterioso “sumiço” da “agenda rossa”, em 19 de julho de 1992.
Vale lembrar que apenas os autores materiais e os chefes mafiosos foram condenados e presos em face dos atentados consumados contra Falcone e Borsellino.
No entanto, fatos novos, como por exemplo a participação de 007 do serviço secreto do Estado, numa primeira tentativa de assassinato de Giovanni Falcone (quando passava férias na casa da siciliana praia de Adaura), deram causa à reabertura das investigações sobre as mortes dos dois magistrados, considerados mártires da luta antimáfia.
Berlusconi nega ser o César das interceptaçõestelefônicas da nova P2 da massonaria.
PANO RÁPIDO. Esse insulto à memória dos dois heróis da antimáfia sucede num momento particular na conturbada vida político-institucional da Itália:
a) O senador Marcello Dell´Utri, braço direito do premiê Silvio Berlusconi e cofundador com ele do partido da Forza Italia, acaba de ser condenado, em apelação que confirmou a sentença de primeiro grau, por associação à Máfia.
Dell´Utri apresentará recurso à Suprema Corte de Cassação (equivalente ao nosso Supremo Tribunal Federal).
b) Na magnífica e exuberante Villa Arcore de Berlusconi, por indicação de Dell´Utri, trabalhou o chefe-mafioso Vittorio Mangano. Mangano: quando foi contratado já possuía defintiva condenação por associação à Máfia e por tráfico internacional de drogas.
c) Dell´Utri, imediatamente após a sua condenação por associação externa à Máfia (Cosa Nostra), soltou, em entrevista, uma perigosa afirmação: “Mangano é o meu herói”. Em outras palavras, herói por ter, conforme a lei mafiosa conhecida por omertà, silenciado no curso dos processos. Nada falou sobre Dell’Utri e Berlusconi. Não contou nada sobre o que sabia.
d) Desde quinta-feira passada, com a demissão do governo Berlusconi do secretário da Economia, que continua chefe político do partido de Berlusconi na região da Campania (PDL-Popolo della Liberta), tramita a investigação sobre a Constituição na Itália de uma nova P2, que atuava para condicionar a vida política e institucional da Itália.
A célebre Loja Maçônica P2 reunia políticos, mafiosos, maçons e agentes financeiros, como, por exemplo, o cardeal Paul Marcincus (apelidado “Banqueiro de Deus”). Também o banqueiro Roberto Calvi, que faliu o vaticano Banco Ambrosiano, e Michelle Sindona, apelidado de “Banqueiro da Máfia e do Vaticano”.
A nova P2 (já chamada de P3), já foram realizadas nesta semana prisões de políticos e o indiciamento de um membro da Superior Corte de Cassação da Justiça italiana, manobrava, frise-se, para ditar as regras ao país e obter, na mais alta Corte de Justiça, decisões favoráveis ao grupo.
Uma dessa decisões intermediadas pela nova P2, e o tiro saiu pela culatra, era dirigida à Suprema Corte de Cassação. Ou melhor, a meta era conseguir que fosse julgado legítimo o chamado Lodo Alfano. Essa lei (Lodo Alfano) estabelecia a suspensão dos processos criminais que estavam em curso contra Berlusconi: um deles por corrupção, ou seja, o caso Mills, já tratado em posts neste blog Sem Fronteiras de Terra Magazine.
e) O presidente da Comissão Parlamentar Antimáfia, senador Giuseppe Pisanu, afirmou, em sessão solene, que nos ataques mafiosos de 92 e 93 (quando a Máfia declarou guerra ao Estado e matou os juízes Falcone e Borsellino) houve associação entre Máfia, Serviço Secreto, Maçonaria e Política (por membros sujos).
f) Nas interceptações telefônicas sobre a nova P2 (também chamada P3) aparece um beneficiário direto dessas ações (incluída a de convalidar o Lodo Alfano). Seu nome está em código, ou seja, é chamado de César.
Quem seria o César ?
Berlusconi nega que seja o César mencionado em mais de 20 interceptações telefônicas. Dá prá acreditar em Berlusconi ?
Wálter Fanganiello Maierovitch