- 8 de junho de 2011 |
- Fonte estadão.com
Categoria: Futebol
LUÍS AUGUSTO MONACO
Desta vez Kaká está tendo férias caseiras. Como sua filha Isabella, que nasceu no dia 23 de abril (o filho Luca faz três anos sexta-feira), ainda está na fase de tomar vacinas e não pode viajar, ele vai descansar em São Paulo antes de se reapresentar ao Real Madrid no dia 12 de julho, em Los Angeles.
Kaká nega problemas de relacioamento com o técnico Mourinho (Foto: JF Diorio/AE)
Ontem (7) à tarde, durante quase 40 minutos ele conversou com o JT. Deixou claro que não quer sair do Real antes de jogar o que pode no time espanhol, disse que voltar ao nível que mostrava no Milan é seu grande desafio e, com sinceridade, reconheceu: “Gostaria de jogar a Copa de 2014, mas não sei em que condição vou estar daqui
a três anos.”
Qual o balanço que você faz da temporada?
Em nível pessoal foi a mais difícil da minha carreira. Coletivamente posso dizer que foi boa. Ganhamos a Copa do Rei em cima do Barcelona, chegamos à semifinal da Copa dos Campeões e ficamos em segundo no Campeonato Espanhol. Não é o suficiente para um clube do tamanho do Real Madrid, mas foi boa. Pessoalmente foi muito difícil. Tive a lesão, voltei em janeiro, em março parei de novo, joguei os dois últimos meses… Foi complicado.
Você não estava 100% na Copa do Mundo. Aí entrou em férias e, quando se apresentou ao Real Madrid nos Estados Unidos, depois de dois ou três treinos resolveu fazer a cirurgia no joelho esquerdo. Essa decisão não poderia ter sido tomada antes, no início das férias?
A verdade é que não queria ser operado de novo. Depois da Copa fiz uns exames em São Paulo e os médicos me disseram que seria preciso operar. Quando cheguei aos Estados Unidos, mostrei os exames para os médicos do Real Madrid e fui levado para uma consulta com um especialista lá em Los Angeles, e ele também disse que teria de operar. Resolvi ir para a Bélgica me consultar com o médico que tinha operado o joelho do meu irmão. Ele também defendeu a necessidade da cirurgia, e aí fui operado lá. Hoje, vendo que não tinha como não fazer a operação, podem discutir se atrasei ou não a decisão. Mas isso aconteceu porque eu não queria ser operado pela segunda vez.
A decisão foi tomada com base nos exames, e não por você ter sentido uma dor diferente quando começou a treinar?
A dor era constante. Alguns dias doía mais, em outros doía menos. E por isso eu pensava que podia me livrar do problema com descanso, com tratamento sem jogar. Mas, infelizmente, não deu.
Você foi operado quando a temporada estava para começar e o Mourinho estava montando o time. A sensação de que ia largar atrás dos outros mexeu com a sua cabeça?
A parte psicológica é a pior nesse processo. E posso dizer que o Mourinho e a sua comissão me ajudaram muito nessa parte. As dúvidas são constantes na cabeça durante a reabilitação, porque você não sabe como vai voltar, se vai ser o mesmo…
Clinicamente você está zerado? Ainda tem algum problema no púbis ou no joelho?
No púbis não sinto mais nada. Mas o joelho não é mais um joelho 100%, porque foi operado duas vezes. Tenho de estar sempre cuidando, sempre tomando um remédio para a cartilagem, fazendo reforço muscular…
O Zico disse que o jogador que passa por uma cirurgia no joelho precisa de uma sequência de jogos para se avaliar, para descobrir se consegue fazer tudo o que fazia antes ou se terá de mudar alguma coisa no jeito de jogar. Deu para saber se você está com alguma limitação física para fazer o que fazia antes?
O que não consigo ainda é ter uma continuidade, mas isso é um problema meu, não tem nada a ver com opção do treinador. Preciso de uma continuidade física durante os jogos. Tinha jogo em que eu estava bem, em outros mais ou menos. Às vezes me sentia voando, às vezes estava cansado.
Mas em termos físicos e psicológicos você não sente nenhuma limitação para fazer o que fazia, como dar as arrancadas?
Nenhuma. O que acontece é que em alguns jogos arranco menos por falta dessa continuidade na minha condição física.
Agora você vai começar a pré-temporada junto com todo mundo e sem lesão. Dá para dizer que entra zero a zero com o elenco e em condição de ganhar espaço?
A minha esperança é essa, estou acreditando nisso. Fazer a preparação junto com todos os jogadores, sem precisar parar para tratar alguma lesão, é o que preciso para começar bem a temporada.
Depois do jogo em Bilbao em que fez dois gols de pênalti, você disse que tinha uma dívida com a torcida do Real Madrid e esperava pagá-la jogando bem em partidas importantes. Dá para pagar a dívida na próxima temporada?
Sei que ainda não correspondi às expectativas, não só da imprensa e dos torcedores, mas minhas também. Quero e acredito que muita coisa boa ainda vai acontecer comigo no Real Madrid. Tudo é confiança. A partir do momento em que eu conquistar a confiança do treinador, tenho certeza de que ele vai me colocar para jogar nas partidas decisivas.
O que aconteceu nesses dois anos de Real Madrid é que não consegui atingir meu auge físico, técnico e psicológico. Mas essa parte é minha. E, diferentemente do que falam, o Mourinho tem me ajudado muito.
Pois é. Aqui chegam notícias de que você estaria chateado com ele por não ser mais aproveitado…
E também dizem que ele não me quer no Real Madrid. Nada disso é verdade. Ele tem sido muito honesto comigo, coerente em suas decisões não só comigo mas com o time de forma geral. Só tenho a agradecer a ele.
Há muitos rumores sobre o seu futuro. Você tem convicção de que vai continuar em Madri?
Sinceramente, minha vontade é ficar.
Mas o Mourinho e a diretoria lhe deram essa garantia?
Antes de eu vir para o Brasil o Mourinho e os dirigentes me disseram para passar as férias tranquilo, porque me esperam na pré-temporada e contam comigo. Eles sabiam que ia haver muita especulação, porque desde que cheguei lá já houve rumores sobre uns dez times… Mas minha vontade é ficar e vou ficar.
É verdade que o Leonardo ligou para você para sondar a possibilidade de ir para a Inter?
Tenho um ótimo relacionamento com o Léo, todo mundo sabe disso. Quando recusei a proposta do Manchester City (ainda na época do Milan), ele foi o primeiro a ir à minha casa para me apoiar e dizer que estava feliz com a minha decisão. Ele nunca me sondou para jogar na Inter, porque nunca deixei essa porta aberta. Sempre que conversamos eu digo que quero vencer no Real Madrid, e ele diz que é isso o que devo fazer. O Léo sabe que não quero sair.
Esses rumores lhe incomodam? No Milan você era cobiçado e agora, até por ainda não ter rendido o que rendia, surgem notícias de que o Real pode abrir mão de você. Isso faz você se sentir desprestigiado?
É diferente, mas não sinto desprezo. Acabei de fazer dez anos de carreira profissional e sei que o futebol é assim, por isso não me sinto chateado. O dia em que eu estiver bem vão falar bem, o dia em que estiver mal vão falar mal. No futebol, ou você não vale nada ou vale muito, são sempre opiniões muito extremas. Aprendi a ter esse equilíbrio, e sei qual é o meu valor.
Muita gente diz que você não voltará a ser o Kaká do Milan. O que acha disso?
As pessoas falam isso como uma aposta. Para mim, é um grande desafio. Não tenho de provar nada para ninguém, o meu desafio é provar para mim mesmo que posso voltar a jogar no alto nível que jogava. Sem nenhuma pretensão ou arrogância, ganhei tudo o que podia ganhar na minha carreira – individualmente e coletivamente. Tenho uma grande motivação para voltar ao alto nível.
Quando você estava indo para o Milan, em 2003, a torcida do São Paulo estava pegando no seu pé e você disse que era importante conhecer o outro lado da moeda, porque até então só tinha tido alegrias. Essa situação no Real, depois dos anos de idolatria no Milan, também serve de aprendizado?
Serve muito. É difícil, não vou falar que é uma situação legal. Mas quando você supera uma situação assim é bom, você vê que suportou tudo e passou por cima.
O que é mais difícil: não conseguir jogar como jogava ou ter sua capacidade colocada em dúvida?
O mais difícil é não conseguir fazer em campo o que eu gostaria de fazer. Isso é frustrante, mas é pessoal. Quem critica faz isso como uma aposta. Se eu me recuperar, muita gente vai dizer que sempre acreditou que eu conseguiria. E muita gente que não acreditava vai dizer que queimou a língua.
O Mourinho foi muito criticado pela maneira como armou o time para os jogos com o Barcelona, principalmente os que foram em Madri. O que você achou disso?
Achei um exagero. Jogamos quatro vezes em pouco tempo contra o Barcelona e ganhamos uma, perdemos uma, e empatamos duas. Claro que eles tiveram mais posse de bola, mas em nenhum desses jogos fomos nitidamente inferiores. Na minha opinião, dos times que enfrentaram o Barcelona recentemente o Real foi o que jogou mais de igual para igual. O Mourinho é muito inteligente, e a gente joga de acordo com o adversário. Acho que isso é uma virtude. Tivemos o melhor ataque da temporada, não tem como falar que isso é retranca.
Mas a crítica foi pelos jogos com o Barça. O Pepe de volante, três centroavantes no banco…
Foi a forma que ele encontrou de paralisar esse meio de campo do Barcelona que toca tanto a bola. E acho que deu certo.
E Seleção? Como foram as conversas com o Mano?
Tive duas conversas muito boas com ele, uma em outubro, em Madri, e outra por telefone, em maio. Nessa última chegamos à conclusão de que seria melhor não ir para a Copa América e aproveitar o tempo para me restabelecer fisicamente. Quero voltar para a Seleção, mas primeiro tenho de jogar bem no Real.
Não se cogitou a possibilidade de aproveitar o período da Copa América para você ter a sequência que não teve no Real Madrid?
Tanto eu quanto o Mano e o pessoal do Real achamos que o melhor era descansar o corpo e a cabeça, porque passei por muita coisa na temporada. E a verdade é que há jogadores que estão à minha frente para jogar na Seleção.
A próxima Copa será no Brasil. Você tem o sonho de que a sua grande Copa ainda está por vir e pode ser a de 2014?
Espero ter essa oportunidade, mas não sei em que condição vou estar daqui a três anos.
Ainda falta para você fazer uma grande Copa como titular?
Futebol é esporte coletivo, ninguém ganha Copa sozinho. Mas seria muito bom poder ganhar outra, ainda mais em casa.
Como você avalia Ganso, Neymar e Lucas?
Vão ficar pouco tempo no Brasil. Eles têm um talento impressionante e vão chegar muito longe. Acho que hoje o Neymar está um pouco à frente, mas os três são ótimos.
Você vê semelhança entre o futebol do Lucas e o seu?
Vejo. Ele tem uma arrancada muito forte.