Fernando Reinach – O Estado de S.Paulo
Há muitos anos foi descoberto um modo de andar sobre a água. Diversos vídeos mostram como isso é feito (http://youtube.com/watch?v=S5SGiwS5L6I). A grande novidade é que agora os cientistas conseguiram explicar por que isso é possível.
Andar sobre a água só é possível se você adicionar uma grande quantidade de pequenas partículas de sólidos. A maneira mais fácil de fazer isso é adicionar farinha de milho. O líquido resultante tem propriedades estranhas. Em repouso, comporta-se como líquido e você pode, se mover a colher lentamente, misturá-lo facilmente. O mesmo ocorre se você despejá-lo. Se você fizer movimentos lentos, ele se comporta de maneira “normal”, passando de um copo para o outro. Mas surpreendem as propriedades dessa mistura quando submetida a movimentos bruscos. Se você tentar mover a colher rapidamente, ele se comporta como um sólido, mas basta diminuir a velocidade para ele se tornar líquido.
Se você entrar lentamente numa piscina com esse fluido, será como entrar em uma piscina normal. Se pular, ele se solidifica e você não afunda (nunca tente mergulhar de cabeça). Por causa dessa propriedade, se você correr sobre esse fluido, a cada impacto do passo o líquido se comporta como sólido. Se você parar, vai afundar rapidamente.
Até agora havia grande polêmica entre os físicos. Que fenômeno seria responsável por essa mudança brusca de comportamento? Duas explicações propostas envolviam mudanças de viscosidade. Os experimentos publicados agora demonstraram que ambas estavam erradas.
A experiência. Os cientistas encheram uma piscina de 25 litros com água e farinha de milho. No fundo, foi colocado um sensor de pressão (uma balança sensível). Sobre a piscina, foi montado um trilho vertical com uma barra de alumínio (300 gramas e quase 1 metro de comprimento) que podia ser disparada verticalmente em direção à superfície do fluido. Uma espécie de estilingue permitia que os cientistas a impulsionassem com diferentes velocidades. Dentro da barra colocaram um acelerômetro. Um laser mediu a velocidade da barra e uma câmera de alta velocidade (10 mil fotos por segundo) filmou o experimento. E uma câmara de raios X verificou o que ocorria com os grãos de farinha quando a barra atingia o líquido.
Com isso, foi medido o comportamento do sistema nos 30 milésimos de segundo em que a barra acelera, bate no fluido e este oferece resistência. Observou-se que, num primeiro momento, a superfície do fluido se deforma. Logo após, embaixo do ponto em que a barra encostou no líquido, forma-se um bloco sólido de grãos de farinha, que impede a entrada da barra no líquido. Esse bloco é tanto maior quanto maior for o impacto e pode se estender até o fundo da piscina. Assim que o movimento termina, o bloco sólido se desfaz e a barra afunda – por isso é preciso correr rapidamente para não afundar.
Analisando os dados coletados, os cientistas criaram um modelo matemático que explica a mudança de comportamento da mistura. Acontece que, no momento do impacto, logo embaixo do ponto de impacto, a pressão e a deformação da superfície forçam os grão de farinha a se aproximar um dos outros, expulsando a água entre eles. Sem essa água, os grãos se comportam como um sólido e seguram o peso. Mas, assim que esse movimento brusco diminui, a água volta a entrar no meio dos grãos e eles voltam a se comportar como um líquido.
Essa descoberta resolve de maneira definitiva o problema. Agora sabemos por que é possível andar sobre a água. Mas essa descoberta também causa uma grande frustração. Ela demonstra que, na verdade, quando andamos sobre essa mistura, não estamos andando sobre um líquido, mas sim sobre pedras sólidas de farinha que se formam instantaneamente quando colocarmos o pés sobre a superfície. É claro que elas se desfazem também rapidamente, mas essa descoberta demonstra que na verdade não estamos andando sobre um líquido.
É triste, eu gostava da ideia de andar sobre as águas. Mas a ciência é assim, ao explicar os fenômenos naturais ela destrói o prazer de acreditar no impossível. Voltou a ser impossível andar sobre água.
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BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: IMPACT-ACTIVATED SOLIDIFICATION OF DENSE SUSPENSIONS VIA DYNAMIC JAMMING FRONTS. NATURE, VOL. 487, PÁG. 205, 2012
Uma resposta em “Por que conseguimos andar sobre as águas”
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