A loja Soberano Santuário, que existe há 12 anos e é sediada na reprodução de um castelo medieval na região de Curitiba, começou há meses uma investida midiática que inclui anúncios de página inteira em “Veja”, “O Estado de S. Paulo” e Folha. Levantamento feito pela reportagem indica que o grupo gastou ao menos R$ 2 milhões em três meses, seguindo os valores dos anúncios nos veículos.
“A gente tinha a visão de que a maçonaria era muito elitista no Brasil. Ela não é só para o homem que tem um diploma e alguém para indicar”, diz Bianca Moreira da Silva, 31, a fundadora e hierofante (sacerdotisa) do grupo. Ao contrário do que acontece nos braços mais tradicionais, o Soberano Santuário, que ela comanda com o marido Samuel Mineiro da Trindade, 37, não requer que candidatos sejam convidados por membros estabelecidos, e aceita mulheres.
Há outras lojas que oferecem inscrição por e-mail ou por redes sociais como o Facebook, mas nenhuma delas havia chegado à grande mídia até 2017. “A maçonaria em nenhum momento em seus ensinamentos diz que é secreta. O que ela pede é discrição sobre o que você está estudando”, diz ela.
Os grupos mais tradicionais discordam dessa interpretação. “Instituições maçônicas regulares e reconhecidas mundialmente não arregimentam membros por anúncios e não fazem propaganda”, diz uma nota assinada pela Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo e pelo Grande Oriente de São Paulo, duas das maiores potências maçônicas do país.
A reportagem se encontrou com alguns dos líderes de grupos maçônicos tradicionais. A maioria afirma ter planos de interpelar juridicamente o Soberano Santuário.
Mestres e grão-mestres disseram à Folha que veem com “pesar” os anúncios, que para eles têm “a intenção de arregimentar membros e manchar a imagem da instituição, comercializando uma ordem que existe há 300 anos”.
MAÇONARIA NA TV
A lógica midiática do Soberano existe desde a fundação. Nos primeiros anos fazia anúncios na “Gazeta do Povo” paranaense. O primeiro programa de TV veio no fim de 2012. “Já estávamos com uma estrutura de templo, de muitas pessoas participando. Houve vontade de fazer o programa. Surgiu a ideia do ‘Maçonaria na TV'”, diz a líder.
O programa, em que Bianca conversa com Samuel na frente de um chroma key (fundo falso em que são inseridas imagens) se iniciou na TV Transamérica. Depois foi para a Band de Curitiba, ocupando entre 5 e 10 minutos da hora do almoço com mensagens de autoajuda e promessas de uma vida melhor para quem se unir à maçonaria.
Bianca ainda aparece em alguns dos anúncios impressos. Na foto, a líder posa em frente ao castelo com luvas brancas e uma toga preta.
Hoje a dupla aparece em redes transmitidas por parabólica, como o Canal do Boi. “São canais não muito conhecidos do grande público. Mas você chega muito no interior com eles”, diz a hierofante.
Eles não revelam qual é o alcance ou o número de pessoas que arregimentaram nessa década. “São milhares de alunos”, diz ela, que nas últimas semanas esteve em Manaus, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte.
“Nossa missão não é reunir, e sim semear. Não estamos anunciando para arrebatar pessoas. Estamos para semear que existe a instituição, elas entram no site, ligam, mandam e-mail. É uma campanha informativa.”
O Sagrado Santuário tampouco comenta os gastos com publicidade. “É um valor muito alto”, se limita a dizer a fundadora da loja, quando instada a responder quanto investiram nos anúncios, e de onde veio o dinheiro.
PROCESSOS
Há ao menos seis ex-adeptos processando a agremiação. Os casos correm em segredo de Justiça. A Folha teve acesso a documentos de um deles, que é movido pelo dono de um pet shop que afirma ter tido dezenas de milhares de reais desviados pelo casal, que teria, segundo a acusação, usado cheques em seu nome. Bianca nega a acusação. “Na hora que aperta, você vai jogar para qualquer lado. Mas eu não tenho nada para declarar.”
A sacerdotisa classifica as ações judiciais como “uma grande campanha contra nós”. “A gente teve uma série de perseguições em 2014.” Naquele ano, o casal foi preso. Policiais da delegacia de estelionato e desvio de cargas de Curitiba passaram dois meses ouvindo ex-membros do grupo, 20 dos quais acusaram a loja de pedir dinheiro, prometendo devolver quantia maior, o que não aconteceu.
A prisão preventiva do casal, acusado de desfalcar seguidores em R$ 4 milhões, durou menos de 24 horas, e eles respondem ao processo por estelionato em liberdade.
Samuel diz que houve preconceito dos veículos de comunicação, que os trataram por “falsos maçons”. “Nosso trabalho floresceu em meio à ausência de tolerância, nosso templo jamais cessou suas atividades como uma árvore frondosa que nos sombreia, protege e dá luz, temos raízes fortes e profundas.”
Em 2015, os líderes foram presos por suspeita de estupro e de cárcere privado de uma garota de programa. A mulher disse que foi machucada pelo casal após se negar a fazer o que eles pediam, e se trancar no banheiro. O grupo não comenta o episódio.
“Enfatizamos que nosso ensino propriamente dito não é cobrado”, diz Samuel, que afirma dispensar na sua loja a cobrança de “joia” (taxa de admissão) ou mensalidade.
A reportagem se inscreveu no site propagandeado nos anúncios. Quem demonstra interesse recebe um e-mail em que se lê: “Nossas atividades e serviços são mantidos por mensalidades em valores justos acessíveis. A sugestão de contribuição mensal é R$ 49,90 e mensalmente você recebe via correios uma apostila de estudos”.
Além das apostilas, o site dá incentivo para quem segue adiante nos estudos, como diplomas e, após o término do terceiro nível, a CIM –cédula de identidade maçônica.
MAÇONARIA INCLUIU D. PEDRO 1º
A maçonaria é uma fraternidade de homens, com pretensões filantrópicas e filosóficas, que remonta à Idade Média. Entre maçons ilustres estariam presidentes americanos (como George Washington), pensadores (Voltaire) e músicos (Beethoven).
No Brasil, foram maçons personagens importantes da história, como dom Pedro 1º e José Bonifácio. Com informações FolhaUol