Níveis de antissemitismo são elevados no país que tem a maior comunidade judaica da América Latina (e a sétima no mundo). Acima, a sinagoga central de Buenos Aires, na Plaza Lavalle, quase ao lado do Teatro Colón e na diagonal da Corte Suprema de Justiça.
Uma pesquisa elaborada pela Delegação das Associações Israelitas Argentinas (DAIA), a Liga Anti-difamação e o Instituto Gino Germani da Universidade de Buenos Aires revelou a presença de um forte antissemitismo na Argentina, país que conta com a maior comunidade judaica da América Latina e a sétima em todo o mundo. Segundo o relatório “Atitudes perante os judeus na Argentina”, apresentado oficialmente ontem (terça-feira), persiste a existência ostensiva dos estereótipos e preconceitos sobre a comunidade judaica. Um dos pontos que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a proporção de 45% dos argentinos que sustentam que não se casariam jamais com uma judeu.
Além disso, a pesquisa revelou que ainda é persistente a milenar acusação de que os judeus são os “responsáveis pela morte de Cristo” (23%). Outros 49% afirmam que os judeus “falam demais sobre o Holocausto”.
Outros 29% dos pesquisados sustentam que não morariam jamais em um bairro com forte presença judaica. Buenos Aires possui vários bairros com presença histórica de judeus, entre os quais Villa Crespo, Balvanera (informalmente conhecido como “Once”) e Abasto (onde reside a maior parte dos ortodoxos).
A capital argentina possui a maior concentração judaica do país, com 244 mil integrantes da comunidade, isto é, 8% da população total portenha. No total, a comunidade judaica Argentina, a maior da América Latina, contaria com 300 mil integrantes, embora cálculos extraoficiais elevem o número para 500 mil.
Tal como na Europa da Idade Média (e recentemente também), um quarto dos argentinos culpam judeus da morte de Cristo, segundo pesquisa que apura níveis de antissemitismo. Acima, “Liberem Barrabás”. Ilustração do volume 9 de “The Bible and its Story Taught by One Thousand Picture Lessons”, publicado em 1910 nos EUA.
PESQUISA, POLÍTICA, DINHEIRO E “ARGENTINIDADE” – Até 1994, ano em que foi reformada, a Constituição Nacional argentina impedia que um presidente pudesse tomar posse caso não fosse “católico apostólico romano”. Diversas províncias também tinham a mesma restrição para seus governadores. Desta forma, os integrantes da comunidade judaica estavam limitados em suas carreiras políticas e deviam resignar-se às carreiras de parlamentares e ministros. Mas, apesar das mudanças legislativas duas décadas atrás, a pesquisa mostra que 39% dos entrevistados consideram “negativa” a presença de judeus na política argentina.
A pesquisa da DAIA e da Universidade de Buenos Aires sustenta que persistem estereótipos que datam da Idade Média que vinculam a comunidade judaica com a usura, já que 80% dos argentinos consideram que a principal prioridade dos judeus é “ganhar dinheiro”. O relatório também sustenta que do total de pesquisados, 53% acreditam que os judeus são mais leais a Israel do que à Argentina.
O presidente da DAIA, Aldo Donzis, resumiu os preconceitos contra judeus: “é ignorância”. Segundo Donzis “ninguém teria objeções se um argentino tem vínculos fortes com a Espanha. Mas, não permitem que um argentino judeu possa ter laços com Israel”.
A pesquisa também mostra que 14% dos entrevistados consideram que os judeus, embora nascidos na Argentina, “não são argentinos”.
Quipás e bombachas: Os “Gauchos Judíos”. A presenta judaica nos pampas das provincias de Entre Rios, Santa Fe e Buenos Aires foi grande no final do século XIX e XX. O assunto gerou vários livros e um filme. Acima, capa do disco com a trilha sonora do filme. E, nada melhor para mostrar a fusão de duas culturas do que o dueto Falú-Moguilevsky, aqui.
Segundo o vice-presidente da DAIA, Angel Schindel, “a Argentina, que tem a maior comunidade judaica da América Latina talvez seja o país de toda a região no qual o antissemitismo é o mais virulento”. Schindel ressaltou que “o antissemitismo é camuflado. Não é exibido de forma aberta. Mas, está encapsulado na população. As situações de antissemitismo com os judeus argentinos cresceram durante a Guerra do Líbano e o ataque de Israel à Faixa de Gaza como represália pela atividade do Hamas. Por este motivo, qualquer situação externa rapidamente é o estopim desse antissemitismo”.
Evita Perón e o generalíssimo Francisco Franco: ela na Argentina, ele na Espanha. Ambos ajudaram os criminosos de guerra nazistas que fugiam.
ARGENTINA FOI REFÚGIO DE CRIMINOSOS DE GUERRA NAZISTAS
Em 1918 Buenos Aires foi o cenário do primeiro e último “Pogrom”, realizado em terras latino-americanas. Na ocasião, 179 judeus, a maioria de origem russo, foram massacrados por grupos nacionalistas de extrema direita nos bairros de Once e Villa Crespo, segundo denunciou na época o embaixador dos EUA. Durante os anos 1930, o partido nazista argentino, o maior da América Latina, realizava sem qualquer tipo de restrição, manifestações na via pública.
Após o final da Segunda Guerra Mundial a Argentina foi um dos refúgios favoritos dos criminosos de guerra nazistas que escapavam da Justiça na Europa. Diversas estimativas indicam que mais de 300 responsáveis do genocídio nos países ocupados pela Alemanha – entre os quais Adolf Eichmann e Josef Mengele (que viveram escondidos com pseudônimos) e Erich Priebke (que nunca mudou seu nome) – entraram no país graças às facilidades concedidas pelo presidente Juan Domingo Perón.
O líder dos ustashas (fascistas croatas) Ante Pavelic, acusado de genocídio de sérvios, transformou-se em conselheiro de segurança de Perón.
A própria Argentina teve presença no gabinete do Terceiro Reich por intermédio do portenho Ricardo Walter Oscar Darré, um especialista no cruzamento de vacas, que além de ser um dos principais teóricos da doutrina do “Blut und Boden” (Sangue e Solo) – origem das leis raciais da Alemanha nazista – foi ministro da Agricultura de Hitler.
O portenho Darré, um especialista em cruzamento de vacas, co-autor das leis raciais do Terceiro Reich.
O antissemitismo também foi marcante durante a ditadura militar argentina (1976-83), já que os prisioneiros políticos judeus foram alvo de torturas mais ferozes que aquelas aplicadas aos não-judeus.
O regime vivia assolado pela paranóia do “Plano Andinia”, uma mirabolante suposta conquista “sionista” da Patagônia, onde Israel instalaria “kibutz” socialistas.
A comunidade judaica nos anos 70 era de 290 mil pessoas, equivalente a 1,2% da população total. No entanto, o número de judeus mortos pela Ditadura é de 2.000 pessoas, o que os transforma em 6,33% dos desaparecidos.
Além de tudo isto, a comunidade judaica argentina também foi o alvo dos dois maiores atentados terroristas realizados na região. O primeiro deles, em 1992, destruiu a Embaixadade Israel, matando 30 pessoas e ferindo outras 200. Em 1994, um carro bomba arrasou a sede da associação beneficente judaica AMIA, provocando a morte de 85 pessoase ferindo e mutilando outras 300. Em ambos casos existem fortes suspeitas sobre uma “conexão argentina”, supostamente composta por integrantes de grupos de extrema direita como os militares “cara-pintadas”.
Dois judeus Made in Argentina:
Daniel Barenboim, com a Filarmônica de Berlim, rege “Tico tico no fubá”, do brasileiro Zequinha de Abreu. Aqui.
E Martha Argerich, tocando o Noturno n.1 de Frederic Chopin. Aqui.
PERFIL: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996.
Em 2009 “Os Hermanos“ recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).
…E leia os supimpas blogs dos correspondentes internacionais do Estadão: