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Evangélicos ‘independentes’ crescem mais de cinco vezes em uma década

Pentecostais crescem em ritmo mais lento e tradicionais ficam estagnados

29 de junho de 2012 | 10h 00

Luciana Nunes Leal e Clarissa Thomé, do Rio

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Evangélicos 'independentes' incluem os que circulam entre várias denominações - Reprodução

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Evangélicos ‘independentes’ incluem os que circulam entre várias denominações

A queda dos católicos está diretamente ligada ao aumento de 44% da proporção de evangélicos. Eram 15,4% da população brasileira em 2000 e passaram para 22,2% em 2010. Na década anterior, entre 1991 e 2000, o crescimento dos evangélicos foi muito maior, de 70%.
Embora os dados mostrem o aumento da população evangélica, os três grandes segmentos da religião tiveram comportamento completamente diferentes.
Os evangélicos tradicionais, ou de missão, ficaram estagnados em proporção. Tiveram um pequeno aumento em números absolutos, passando de 6,9 milhões para 7,6 milhões, mas proporcionalmente houve ligeiro recuo. Os evangélicos tradicionais eram 4,1% da população em 2000 e em 2010 passaram a 4%. Esses evangélicos são das igrejas históricas como Adventista, Luterana, Batista e Presbiteriana.
Comportamento oposto tiveram os evangélicos desvinculados de igrejas. Segundo técnicos do IBGE, nesta categoria se enquadram tanto os que circulam entre várias denominações quanto os que se consideram evangélicos mas não frequentam igrejas. Esse grupo cresceu mais de cinco vezes em uma década: os evangélicos "independentes" eram menos de 1,7 milhão em 2000 e passaram para 9,2 milhões em 2010. Em proporção, pularam de apenas 1% para população brasileira para 4,8%.
Já os evangélicos pentecostais – da Assembleia de Deus e de igrejas como Universal do Reino de Deus, Maranata, Nova Vida, Evangelho Quadrangular, entre outras – continuaram a crescer, mas o ritmo diminuiu na última década. Em números absolutos, os evangélicos pentecostais mais de dobraram na década de 1990 (aumento de 119%). Entre 2000 e 2010, eles cresceram 44%. Pouco mais de 25 milhões de brasileiros são evangélicos pentecostais.

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Crescimento evangélico estimula mercado que une consumo e religião

 

Paula Adamo Idoeta

Da BBC Brasil em São Paulo

É um grupo cada vez mais numeroso e com sede de prosperar e consumir. O crescimento dos evangélicos no Brasil, em especial no ramo pentecostal, provocou mais do que mudanças religiosas: fortaleceu um mercado econômico, que chama a atenção tanto de igrejas como da iniciativa privada.

De seu lado, as igrejas criaram estratégias de negócios. Algumas desenvolveram estruturas empresariais e planos de carreira; outras lançaram até cartões de crédito. E diversas montaram grupos e reuniões em que estimulam os fiéis a abrir negócios próprios e sanar suas finanças, com base na Teologia da Prosperidade – movimento que prega o bem-estar material do homem.

"Passava uma vida de miséria, comendo carcaça de frango", conta uma frequentadora da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), acrescentando que, depois que começou a assistir às "reuniões da prosperidade" semanais da igreja, "as portas começaram a se abrir". O depoimento é exibido pela própria IURD no YouTube.

Em outro vídeo, um fiel diz que seus negócios não deram certo até ele entrar para o culto. Depois de "sair das trevas", ele comprou "quatro, cinco casas", onde cabem "sete ou oito carros".

"A igreja é um local de ritos, mas hoje também um espaço de trocas e bens simbólicos", diz Leonildo Silveira Campos, do departamento de Ciências Sociais e Religião da Universidade Metodista.

Mara Maravilha em sua loja na rua Conde de Sarzedas

Mara Maravilha tem loja na Conde de Sarzedas, rua especializada em atender público cristão

"É voltada a pessoas cada vez menos preocupadas com questões transcendentais, e sim com o aqui e o agora. Para o novo pentecostal, o dinheiro não é para ser acumulado como previa a ética protestante, mas para comprar o carro e o apartamento novo. Para se inserir no mercado de consumo."

Igrejas e empresas respondem a isso com produtos, que incluem cartões de crédito – emitidos pelas igrejas Internacional da Graça de Deus e Assembleia de Deus – e lançamentos constantes.

A rua Conde de Sarzedas, no Centro de São Paulo, se especializou em atender consumidores cristãos. Ali, é possível comprar de bíblias segmentadas a CDs, jogos de tabuleiro com temas bíblicos e pacotes de turismo para Egito e Israel.

Público fiel

"É um lugar onde as pessoas sabem o que querem consumir. É um público fiel", diz à BBC Brasil a cantora e apresentadora Mara Maravilha, que, há 15 anos convertida à fé evangélica, tem uma loja onde vende seus CDs e DVDs gospel na Conde de Sarzedas.

"Graças a Deus que se abrem muitas igrejas. É melhor do que abrir botequim. A gente, por mais que dê, nunca vai conseguir dar mais do que Deus nos dá"

Mara Maravilha, cantora e fiel da Igreja Universal

Daniel dos Reis Berteli, 29, da igreja Nazareno do Brasil, comprava livros, roupas e CDs evangélicos em uma loja ao lado. "Antes, não tínhamos essa variedade de livros", diz. "Há uns 15 anos, minha mãe fazia lembrancinhas religiosas com cartolina. Hoje, está tudo mais profissional."

A percepção de que o setor caminhava rumo à profissionalização levou Eduardo Berzin Filho a promover a feira ExpoCristã, realizada há dez anos em São Paulo. Ele diz que a edição de 2010 atraiu 160 mil visitantes e expositores como editoras, gravadoras gospel, empresas de mobiliário para igrejas e até consultorias de gestão de templos.

O mais claro exemplo pentecostal de estratégia de negócios vem da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), que diz ter presença em mais de cem países – mais do que qualquer multinacional brasileira.

A IURD montou uma estrutura empresarial que faz de seus pastores "profissionais da religião, com metas de atração e conversão de fiéis, de arrecadação (de dízimo) e de ampliação de recursos", afirma Ricardo Mariano, professor da PUC-RS e autor de um livro sobre a Universal.

Daniel Berteli, 29 anos

Daniel Berteli é comprador de produtos evangélicos, mas se incomoda com ‘profissionalização’ de igrejas

Para os pastores, diz Mariano, "existe quase um plano de carreira, que permite que eles passem para congregações maiores, vão para outros países e participem de programas de TV" se baterem as metas.

A IURD e outras seguem "os principais preceitos do marketing: preço, publicidade, praça (localização de templos) e produto", opina Mario René, professor de Ciências do Consumo na ESPM e doutor em teologia prática.

Os especialistas ressaltam que há traços de profissionalização e mercantilização também em outras religiões – só que eles estão mais evidentes nas pentecostais e neopentecostais por conta de sua exposição midiática e do próprio crescimento dos evangélicos no Brasil.

Segundo o estudo Novo Mapa das Religiões, da FGV, os evangélicos representavam 20,2% da população brasileira em 2009, contra 9% em 1991. Boa parte se concentra na emergente classe C.

Os pentecostais são por volta de 12% da população, mas, segundo estudo prévio da FGV, respondem por 44% das doações feitas às igrejas.

Doações

"A igreja é um local de ritos, mas hoje também um espaço de trocas e bens simbólicos"

Leonildo Silveira Campos, do departamento de Ciências Sociais e Religião da Universidade Metodista

Agora, além de solicitar "ofertas" para continuar a "obra de Deus", a Igreja Universal pede contribuições para financiar o Templo de Salomão – versão brasileira de um histórico templo em Israel.

Em um culto recente da igreja em São Paulo, o pastor exibia aos fiéis um vídeo sobre o templo, que está sendo erguido na Zona Leste da cidade e custará R$ 350 milhões.

"Os (doadores) terão seus nomes colocados nas 640 colunas do templo", diz o pastor, pouco antes de serem entregues envelopes para doações. "O bispo disse que um homem doou R$ 200 mil. Se você não pode 200 mil, pode mil, pode 500. Doe de acordo com a sua fé."

Alguns fiéis apoiam o pagamento do dízimo e doações desse tipo como forma de dar continuidade ao trabalho religioso.

Mara Maravilha, fiel da Universal, é uma delas. Para a cantora, quem não paga a contribuição está "roubando de Deus" e "se o pastor vai fazer certo ou errado (com o dinheiro), isso não cabe mais" ao fiel.

A construção do Templo de Salomão, em São Paulo

Igreja Universal está construindo seu maior templo em São Paulo

"Graças a Deus que se abrem muitas igrejas. É melhor do que abrir botequim", afirma Mara. "A gente, por mais que dê, nunca vai conseguir dar mais do que Deus nos dá."

Ela também rejeita as críticas de mercantilismo. "Os produtos têm efeito que não tem dinheiro que pague para uma pessoa sem esperança. Antes, eu vendia até revista masculina. Hoje, vendo a palavra de Deus. Estou errada hoje ou estava antes?"

Perigo

A executiva Márcia Félix, 37, fiel da Igreja Quadrangular, tem opinião semelhante. Afirma que sua igreja incentiva seu crescimento e a realização de seus sonhos e que o eventual enriquecimento de pastores não a incomoda.

"Busco primeiro o Reino de Deus e sua justiça", argumenta a fiel evangélica. "Se tem quem rouba, é cada um com Deus."

Já Daniel Berteli, frequentador da Conde de Sarzedas, diz que considera a visão empresarial da religião "perigosa". "(Algumas igrejas) têm deixado o princípio de servir e viraram indústria."

O limite para a atuação das igrejas é difícil de definir, levando-se em conta que é tênue a linha que separa consumo e religião.

"Não temos um compartimento mental para a religião", diz Mário René, da ESPM. "Todos buscamos sentido, que pode ser atingido por espiritualidade, responsabilidade social, esoterismo e até pelo consumo."

"Não temos um compartimento mental para a religião. Todos buscamos sentido, que pode ser atingido por espiritualidade, responsabilidade social, esoterismo e até pelo consumo"

Mario René, professor da ESPM

René avalia ainda que, hoje, a prática comercial é praticamente inerente ao processo de angariar fiéis para uma determinada crença.

"Posso abrir uma igreja com praticamente nada. E daí, o que eu faço? Preciso de uma estratégia de marketing para ter sucesso, então vou procurar um pastor carismático e assim por diante", diz o pesquisador.

Para Ricardo Mariano, da PUC-RS, a questão é se a narrativa do apelo à prosperidade terá força no longo prazo. "Se a solução para os problemas (dos fiéis) é pontual, como engajá-los por um longo período? Isso não foi resolvido ainda."