Cientistas descobrem fósseis de nova espécie de hominídeo no leste da África

 

Descoberta abre novas possibilidades sobre a evolução humana após a cisão dos primatas

09 de agosto de 2012 | 15h 05

Efe

 

Crânio de hominídeo primitivo, descoberto em 1972, combinado com mandíbula inferior  - Efe/FRED SPOOR/NATURE

Efe/FRED SPOOR/NATURE

Crânio de hominídeo primitivo, descoberto em 1972, combinado com mandíbula inferior

O leste da África foi habitado por três espécies de hominídeos no começo da evolução humana, o Homo erectus, o Homo habilis e também uma terceira espécie que foi recém-descoberta a partir de três fósseis encontrados em uma jazida do Quênia, informou a revista "Nature".
Coordenada por uma equipe de cientistas do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva da Alemanha, essa descoberta abre novas possibilidades sobre a evolução humana após a cisão dos primatas.
Os fósseis, um crânio quase completo e duas mandíbulas inferiores, pertenceram a três indivíduos diferentes que viveram há aproximadamente 1,95 milhões de anos, durante período Paleolítico Inferior, e encontra-se em bom estado de conservação, explicou à Agência Efe Fred Spoor, paleontólogo e co-autor do artigo ao lado da também paleontóloga Meave Leakey, do Turkana Basin Institute de Nairóbi (Quênia).
Precisamente, trata-se do rosto e alguns dentes de um menino com idade próxima aos oito anos; uma mandíbula inferior quase completa, com vários dentes e raízes, que pertenceu a um indivíduo adulto, e um fragmento de outra mandíbula inferior, que ainda conta com alguns dentes incisivos pequenos.
Segundo Spoor, uma dessas duas mandíbulas é "a mais completa já achada, em relação a um hominídeo primitivo".
Os ossos apareceram durante uma escavação na jazida de Koobi Fora, uma região rochosa do norte do Quênia e próxima ao lago Turkana, um habitat ideal para os primeiros hominídeos, já que conta com temperaturas cálidas e muita vegetação.
Em 1972, os pesquisadores encontraram um crânio no Quênia cujas características – um rosto maior que os demais fósseis da região – não permitiam enquadrá-lo em nenhuma das espécies identificadas até o momento, e essa comparação era ainda mais difícil porque o fóssil carecia de mandíbula e dentes.
Desta forma, este crânio se transformou em um enigma para os paleontólogos e abriu um debate sobre se, no começo da evolução humana, houve uma ou duas espécies de Homo além do já conhecido Homo erectus, que originaram o de Neandertal e Homo sapiens.
Agora, com a descoberta dos novos fósseis do Quênia, muito similares ao encontrado em 1972, confirma que efetivamente existiram três espécies contemporâneas: o Homo erectus, o Homo Habilis e uma terceira, que ainda não recebeu nome. Isso porque, os cientistas aguardam um estudo mais detalhado para assegurar sua semelhança com o Homo Habilis.
"Quando encontramos os fósseis do rosto, sua semelhança com o fóssil de 1972 era imediatamente óbvia", relatou Spoor.
A morfologia dos ossos indica que estes indivíduos teriam uma face alongada, mais plana e com um céu da boca em forma de U, que se difere do resto dos hominídeos de sua época, em forma de V.
Segundo Spoor, as três espécies conviveram no mesmo tempo e espaço, mas o mais provável é que as mesmas se evitassem entre elas.
"É possível que se conhecessem, mas entre as espécies de mamíferos próximas aos hominídeos o mais habitual é que as mesmas evitem o contato entre elas, como ocorre com os gorilas e os chimpanzés do Congo", afirmou Spoor.
"O leste da África era um lugar bastante povoado, com distintas espécies que, provavelmente, seguiam dietas diferentes e que ainda não conhecemos", completou o arqueólogo, que ressalta que essa característica poderia ser a chave de sua convivência em um mesmo habitat, já que não precisariam disputar os mesmos alimentos.
Embora tanto o Homo habilis como esta nova espécie terminaram extintos, ao contrário do Homo erectus, "parece evidente que a evolução humana não seguiu uma linha unidirecional".

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Alunos de Biologia expressam menos religiosidade que os de Veterinária

 

Razão pode estar ligada ao estudo da teoria evolutiva, segundo pesquisa que contabilizou citações de fé em trabalhos de pós-graduação

01 de julho de 2012 | 3h 07

HERTON ESCOBAR – O Estado de S.Paulo

Durante o tempo que coordenou a pós-graduação em Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), entre 2007 e 2010, o biólogo Antonio Carlos Marques desenvolveu o costume de ler os trabalhos de mestrado e doutorado submetidos pelos alunos. Percebeu que vários deles, apesar de tratarem de temas científicos intrinsecamente fundamentados na teoria evolutiva, traziam referências religiosas em seus textos, como agradecimentos a Deus ou citações de trechos da Bíblia. Ficou curioso e resolveu fazer um levantamento sobre o assunto.

Veja também:
link Bióloga escreveu poema religioso em trabalho de mestrado
link Maioria já concorda com a teoria evolutiva desde a graduação

O resultado está publicado na última edição dos Anais da Academia Brasileira de Ciência, em artigo científico assinado por Marques, seu colega Rodrigo Willemart e o aluno Ivan Dias, que fez a pesquisa para seu trabalho de graduação no IB.

Eles revisaram as seções de agradecimento, dedicatória e epígrafes de mais de 4,8 mil trabalhos de pós-graduação do IB e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), publicados entre 1943 e 2009. E verificaram que cerca de 8% dos trabalhos de alunos do IB nesse período continham expressões religiosas, comparado a cerca de 38% da FMVZ.

"Por um lado, é uma porcentagem baixa, comparada ao nível de religiosidade da sociedade como um todo", avalia Marques, referindo-se ao resultado de 8% do IB. "Por outro, é um número alto, se pensarmos que estes alunos são treinados para pesquisar e ensinar disciplinas que têm a evolução biológica como princípio fundamental."

As referências incluem expressões como "agradeço a Deus", "agradeço ao meu anjo da guarda", "dedico a Jesus", além de orações e citações bíblicas, incluindo passagens do livro de Gênesis. "É um antagonismo curioso, ver duas visões contraditórias incorporadas no mesmo documento", diz Marques. Algo que ele considera "inadequado" no contexto de um trabalho científico. "Questões físicas não devem ser misturadas com questões espirituais. Assim como não espero que um padre pregue ciência, não espero que um cientista ensine religião."

Outros pesquisadores não veem problema nas citações. "Acho que tudo bem; as pessoas acreditam no que quiserem", diz o bioquímico Carlos Menck, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, que não participou do estudo. Segundo ele, é normal cientistas acreditarem em Deus ou seguirem algum tipo de religião, como no resto da sociedade. "Você não precisa ser ateu para ser cientista. Só tem de saber separar bem uma coisa da outra", diz.

Menck é o atual presidente da Sociedade Brasileira de Genética (SBG), que na semana passada publicou um manifesto online sobre ciência e criacionismo, com o objetivo de "esclarecer a sociedade brasileira e evitar prejuízos no médio e longo prazo ao ensino científico e à formação de jovens no país" (veja link no final desta reportagem).

A preocupação maior do manifesto refere-se ao fato de alguns cientistas com tendências religiosas mais radicais pregarem o criacionismo como se fosse uma ciência e inverterem os papéis, dizendo que a evolução biológica é que não tem fundamentação científica. "Não queremos questionar de maneira nenhuma a religião", esclarece Menck. "Ciência e religião podem caminhar juntas; o que não pode é tratar criacionismo como ciência. Isso, sim, é obscurantismo."

Marques considera que as declarações de fé nos trabalhos são um bom indicador da religiosidade presente no corpo estudantil das respectivas faculdades, já que se tratam de expressões espontâneas dos alunos, não induzidas por entrevistas ou questionários. "Ninguém foi perguntado sobre nada. Esses alunos expressaram sua fé porque quiseram." Por outro lado, ele não tem dúvida de que o resultado de 8% do IB está subestimado em relação ao número real de alunos que seguem alguma religião. O dado representa apenas aqueles que expressaram essa religiosidade por escrito em seus trabalhos.

Afirmação. Na opinião da filósofa e educadora Roseli Fischmann, as citações simbolizam mais uma afirmação de identidade pessoal do que uma expressão de conflito entre ciência e religião.

"É uma forma deles de dizer que ‘A ciência é importante para mim, mas não me impede de acreditar em Deus’", avalia Roseli, coordenadora da pós-graduação em Educação da Universidade Metodista e professora da USP. "Na ciência, as coisas têm de ser provadas com dados. A religião é algo no qual você crê ou não crê. Por isso é possível fazer essa conciliação interior sem maiores conflitos."

Uma das curiosidades que surgem do trabalho é a diferença no número proporcional de expressões religiosas das duas faculdades (8% versus 38%). Marques imagina que isso se deva ao fato de a teoria evolutiva permear o ambiente acadêmico do IB de forma mais contundente e abrangente do que na Veterinária.

Por outro lado, é possível que essa cultura evolutiva iniba alunos da Biologia de expressar abertamente sua religiosidade.

"O estudo é muito interessante e teve o mérito de demonstrar, de maneira empírica, a grande diferença de perspectiva entre essas duas realidades. No entanto, tenho reservas quanto ao nexo causal apontado", avalia o educador Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, que também é biólogo. "As duas carreiras atraem jovens com diferenças significativas em relação a crenças religiosas. É possível que o curso de pós-graduação aumente essas diferenças, selecionando os alunos de um tipo mais ‘teórico’, no caso da biologia, e possivelmente, mais ‘prático’ no caso da veterinária."

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Os darwinistas estavam errados

 



08/06/12 – 15:19
POR RAFAEL GARCIA

folha.com

QUANDO UM JUIZ AMERICANO da cidade de Dover, na Pensilvânia, deu ganho de causa a um grupo de pais que processava uma escola pública por ensinar conceitos criacionistas a seus alunos, cientistas comemoraram. Apesar de ter ocorrido em em um tribunal local, o julgamento vinha sendo coberto por vários jornais dos Estados Unidos, e havia a expectativa de que a vitória, obtida em 2005, fosse se refletir na opinião pública reduzindo a influência de movimentos religiosos conservadores que tentavam sabotar o ensino da teoria da evolução no país.

Os biólogos que defendiam Darwin, porém, estavam errados em esperar um recuo dos criacionistas. Uma pesquisa de opinião divulgada na semana passada pelo Instituto Gallup mostra que, sete anos depois, 46% dos americanos acreditam que Deus criou a espécie humana do nada. O número é o mesmo de 30 anos atrás, quando o levantamento foi feito pela primeira vez.

O que os professores de biologia se perguntam agora é: o que pode ser feito? Por que as pessoas são tão refratárias à ideia da evolução por seleção natural? Por que esforços educacionais e as incontáveis obras de divulgação científica sobre o assunto têm sido inócuas na tentativa de manter o fundamentalismo religioso longe da ciência?

No Brasil, por enquanto, é difícil projetar a tendência de crescimento do criacionismo. Umapesquisa do Datafolha feita dois anos atrás mostra que 25% da população acredita na versão bíblica da origem da humanidade. Não sei se há dados mostrando quantos mais acreditam no “design inteligente”, a teoria criacionista que evita falar em Adão e Eva, mas defende o mesmo ponto.

Num país onde a educação ainda é um direito mal assegurado, dá medo. Muita gente confia que o curso natural da cultura humana fará com que ela abrace a ciência cada vez mais, mas nem sempre é assim. Um exemplo de que retrocessos ocorrem veio da Coréia do Sul, na semana passada. O país não apenas deixou de repelir a influência criacionista na educação como também aceitou demandas de religiosos para expurgar Darwin dos manuais de biologia.

A falta de pesquisas de opinião sobre criacionismo ainda torna difícil avaliar o problema em escala global, mas eu me arrisco a dizer que biólogos e educadores sérios, hoje, estão perdendo essa guerra.

Não vou discutir aqui o mérito de grupos conservadores em conseguir espalhar o evangelho do criacionismo. É inútil tentar convencer o inimigo de que sua causa é nociva. Mas acredito que nós, divulgadores da ciência, estejamos cometendo alguns erros.

Primeiro, não são julgamentos espetaculosos em tribunais que vão resolver esse tipo de problema. Cientistas já tinham tentado isso uma vez, em 1925, quando o professor de biologia John Thomas Scopes violou uma lei do estado do Tennessee que proibia o ensino de evolução. Scopes foi absolvido em última instância, mas com uso de uma manobra técnica (o primeiro juiz aplicara uma multa ilegal). O julgamento acabou com os biólogos cantando vitória, enquanto os criacionistas se consideraram “campeões morais”.

É necessário que haja segurança jurídica para o ensino da evolução, sim, mas suspeito que juízes e suas sentenças não têm o poder de mudar a cabeça das pessoas. Logo, acredito que aquilo que está faltando aos professores de ciências é uma estrutura mais proativa para fazer estudantes de fato entenderem de que se trata a evolução. A praga criacionista cresce no terreno fértil do analfabetismo científico. Ironicamente, talvez os educadores tenham algo a aprender com a tática de guerrilha dos grupos criacionistas, que atuam de forma descentralizada para espalhar suas ideias.

Segundo, é preciso evitar que o combate ao criacionismo se transforme numa cruzada contra a religião em si. Transformar o ensino de evolução em patrulha ideológica só vai fazer com que a rejeição a Darwin aumente. Richard Dawkins, possivelmente o maior porta-voz da luta anti-criacionismo no mundo, adotou essa abordagem ao escrever “Deus, um delírio” em 2006. O livro fez muito barulho ao ser lançado no mesmo ano de “Deus não é Grande“, do ensaísta Christopher Hitchens.

Sou bastante cético quanto ao potencial que tais autores têm de converter a turba criacionista. Particularmente, acho incômodo o fato de os dois textos basearem sua argumentação na crença de que a religião torna o mundo um lugar pior para se viver. Não é isso o que a própria ciência diz, e as evidências estão na maior revisão de estudos de sociopsicologia da religião já feita sobre o assunto, publicada em 2008 na prestigiada revista “Science”.

Para resumir, então, acredito que o combate ao criacionismo se beneficiaria de uma atitude mais ponderada dos biólogos. É preciso explicar que a teoria da evolução não está em conflito com uma compreensão religiosa mais sofisticada sobre a natureza, e não se pode embutir a pregação ateísta no ensino da biologia, porque a evolução não se trata disso. Além disso, é preciso mobilizar forças fora do âmbito oficial para dar fôlego ao ensino da biologia. Por que há tão poucas ONGs de educação se dedicando ao problema? Suspeito que as iniciativas para ensinar evolução fora do ambiente escolar estejam em falta. Quantas cidades têm o luxo de possuir um museu de história natural? Os criacionistas já estão começando a se mobilizar para montar osmuseus deles. Os biólogos precisam esperar o dinheiro do Estado para ampliar suas ações?

Não há como combater a ignorância sem investir na educação como um bem coletivo, e não há como frear o dogmatismo religioso tentando impor o ateísmo na marra. Se existe um desejo inconsciente dos cientistas de que todos se tornem ateus, talvez ele se realize num mundo onde as pessoas tenham bom repertório cultural e se sintam livres para pensar. Não vejo outro caminho.