A Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), teoricamente representa 1 de cada 10 brasileiros — somando ateus (1%), agnósticos e os sem religião (8%).
Em nome dessas pessoas (evidentemente nem todas sentem-se representadas pela Atea), o grupo ajuizou dezenas de ações contra o que considera atentados ao princípio do Estado laico. A maioria questiona iniciativas evangélicas respaldadas pelo poder público.
Entre os processos está uma ação contra o Rio e seu prefeito, Marcelo Crivella, “pela realização de eventos religiosos em escolas municipais” — o suposto uso já foi explicado pelo secretário de educação. Outra é contrária à instalação de um templo evangélico na sede do Bope (PM-RJ).
A investida judicial se estende a outros credos, como o católico (“doação de um terreno para imagens em Aparecida-SP”) e a umbanda (“construção de monumento a Iemanjá em Cidreira-RS”).
Mas a Atea não é apenas autora de ações na justiça, ela também é ré. O Ministério Público paulista já pediu a instauração de inquérito policial por postagens no Facebook da associação consideradas ofensivas e que poderiam incorrer na “prática de crime de ultraje a culto”. Em outras palavras: intolerância religiosa.
É isso mesmo, admite o presidente da Atea, o engenheiro Daniel Sottomaior, 46. “A gente quer odiar a religião, ela merece. Querem nos culpar por memes religiosos? Pois nos declaramos culpados desde já.”
Publicação recente traz a reportagem de um museu em Amsterdã com “a maior coleção de deformidades humanas” (fetos com deficiências guardados em jarros). A legenda: “OBRIGADO, SENHOR!!!”.
Dois posts provocaram ira ao pegar carona em momentos de comoção para questionar a fé. Ante a foto do menino sírio de rosto enterrado na areia após se afogar, a Atea fustigou: “Se Deus existisse, seria um canalha”. Após a tragédia aérea com a Chapecoense, nova provocação: uma foto do time rezando em campo, outra do avião destroçado, mais a legenda “pode confiar, amiguinho, Deus é fiel”.
A Atea se desculpou depois, “por não ter mostrado mais claramente como a religião se aproveita de momentos de dor como este para impedir o pensamento racional”.
À reportagem da Folha de São Paulo, Sottomaior lança uma metáfora para explicar sua birra com a “ficção divina”. “Digamos que um dia alguém evoque o Supremo Enxugador de Gelo. O movimento dá crias, começam as desavenças, o enriquecimento com enxugamento de gelo alheio, ‘quem não enxugar gelo é mau’… No fim, enxugar gelo não vai ajudar ninguém.”
Estado laico não é ateu
Para alguns representantes religiosos, a defesa do Estado laico não deve ser feita com intolerância religiosa como propõe a Atea, a mesma entidade que reclama do preconceito que as pessoas sem religião sofrem em um país religioso como o Brasil.
“O Estado é laico e tem que continuar assim. Mas eles, os ateus, têm que entender que o povo daqui é 85% cristão. A democracia é clara. A maioria vence”, declarou o deputado Hidekazu Takayama (PSC-PR), líder da bancada evangélica na Câmara.
O babalorixá Diego de Aira, do Movimento Nacional Brasil contra a Intolerância Religiosa, diz defender tanto o direito “de se ter uma religião ou de não se ter”. Para ele não se trata apenas da religião, mas da tradição e cultura de um povo.
“Porém, para comunidades de matriz africana, o samba, o acarajé, o atabaque, o ojá [pano de cabeça] não são apenas nossa religião, é a tradição de um povo que resiste no Brasil.”
Para dom Sergio da Rocha, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) o Estado laico não pode interferir na cultura de um povo que foi formada com base na religião. “É preciso ter presente que o Estado é laico, mas a cultura brasileira é marcada pela religiosidade. O próprio Estado deve garantir a liberdade de expressão religiosa, não somente privada, mas também pública”, diz.
Ele ainda critica a postura da Atea. “Quem combate as manifestações religiosas não contribui para a construção de uma democracia madura.”
Fonte: Folha de São Paulo, JM Notícia e Gazeta do Povo