Pevista usa exemplo do Japão para questionar usina nuclear no Brasil
Por: Vinícius Cintra
Após o terremoto de 8,9 graus na escala Richter seguido de um tsunami que devastou o Japão no último dia 11, a ex-senadora Marina Silva (PV) defende a opinião da atual presidente, Dilma Rousseff (PT), quanto ao alto custo e risco de trabalhar com energia nuclear. Assim como no Japão, onde um desastre nuclear assombra e agrava ainda mais a devastação após o tsunami, o Brasil também possui usinas nucleares, como as do Rio de Janeiro (RJ), na ilha de Angra dos Reis. A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto é formado pelas usinas Angra Um, Angra 2 e Angra 3, que teve início das operações em 1950 (Angra Um). Já Angra três tem previsão de conclusão em 2015.
Notória quando o assunto são causas ambientais e desenvolvimento sustentável, Marina disse que em uma de suas conversas com a presidenta Dilma Rousseff sobre energia nuclear, lembra que o argumento da então ministra de Minas e Energia para combater o investimento do Brasil em energia nuclear era o desperdício de recursos comparado a outras fontes alternativas. “Dilma sempre questionou o alto custo da energia nuclear”, afirmou Marina, na entrevista, concedida na sede do Instituto Democracia e Sustentabilidade, ao Poder Online – a primeira depois do desastre do Japão que, para ela, deixa uma grande lição para a Humanidade e coloca em xeque o programa brasileiro. “É como se, no meio de todos os soldados, só nós é que estamos marchando certo”, questiona.
José Goldemberg, físico da USP, defende que o Brasil reveja os planos de construção de novas usinas nucleares, motivado pelos acidentes ocorridos no Japão após o tsunami. “Acho que é de toda a prudência adotar uma postura, como estão adotando os países europeus, de rever os programas de expansão nuclear”.
O engenheiro da Eletrobras Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, com uma visão totalmente oposto ao do físico, descartou a possibilidade de que a adoção de novos procedimentos após os acidentes de Fukushima, no Japão, aumente significativamente os custos da eletricidade gerada por esse tipo de usina. “A ferramenta fundamental para aumentar a segurança é aumentar a confiabilidade dos equipamentos, procedimentos e pessoas. Essa mesma confiabilidade aumenta a produtividade”, afirmou.
O físico afirma que estão previstas pelo menos mais quatro usinas, duas no Nordeste e duas na região Sudeste. Nem a demanda por energia do país justifica, segundo Goldemberg, a construção de novas usinas atômicas. “A matriz energética prevê a expansão do parque nuclear brasileiro baseado em hipóteses que são irrealistas”, afirmou.
Já o engenheiro Guimarães não acha que os acidentes ocorridos no Japão sejam motivo suficiente para que o Brasil mude os planos de construção de novas usinas. Segundo o especialista, os benefícios da geração nuclear são maiores do que os riscos. “O problema é a sociedade entender quais são esses riscos e quais ela aceita, porque esses riscos não são grandes”, afirmou.
O planejamento energético brasileiro deveria, na opinião de Goldemberg, dar prioridade ao uso mais eficiente da eletricidade.
Para Guimarães, a expansão do parque nuclear é necessária para complementar a matriz brasileira. “Não existe uma opção, ou conjunto limitado de opções que seja capaz de resolver ou atender as necessidades energéticas do país”.
CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA COM MARINA SILVA:
O que o desastre no Japão deixa de lição para o Brasil na questão da energia nuclear?
Marina Silva – O que esse acidente terrível deixa para o Brasil e para a Humanidade é a lição de nos reconectarmos com o princípio da realidade. A nossa tecnologia e o nosso conhecimento são muito importantes e necessários para vários avanços na melhoria da qualidade de vida, mas, por outro lado, ela gera também um efeito de nos sentirmos quase que onipotentes, de decretarmos que as coisas estão seguras e de que estamos no controle. E aí vem um acidente com essa magnitude para nos mostrar que não é seguro, que não estamos no controle e que temos que ter um pouco mais de humildade frente a fenômenos que nós não conhecemos e que não controlamos. A grande lição é de nos reconectarmos com a nossa impotência para podermos ficar no lugar da potência, e não da onipotência.
Como muitos países, o Brasil também deveria rever seu programa?
Marina Silva – É como se, no meio de todos os soldados, só nós é que estamos marchando certo. É o que eu sempre digo: sábios são os que aprendem com os erros dos outros. Agora, estúpidos são os que não aprendem nem com os seus próprios erros. E neste momento não há erros dos outros. É o erro da humanidade. E a reação dos outros países é se colocando no lugar do Japão. Não é olhando para Japão, é olhando para si mesmo. E o único que não consegue olhar para si mesmo neste momento é o Brasil. A humanidade está em xeque. Fomos colocados em xeque por ousarmos achar que estamos no controle. Aquele navio no meio da pista, aquele caldo de carros, de lanchas, de navios, depois de uma onda gigante, que transformou tudo aquilo num pão de ló, que parecia uma sopa, que parecia lego. Aquilo é para nos conectar com a nossa impotência. Estamos vivendo um período nonsense. Temos que reconectar de novo.
Houve uma certa arrogância em relação à questão nuclear?
Marina Silva – Da Humanidade. Eu não digo que foi só por parte dos japoneses porque o paradoxo é porque o Japão é a segunda economia mais desenvolvida do mundo, todos tomavam o Japão e as usinas nucleares do Japão como um paradigma. Se no Japão acontece algo dessa magnitude, imagine em outras regiões do mundo em que não se tem as mesmas condições, até mesmo de lidar com eventos naturais de proporções da magnitude como aconteceu no Japão. Há uma coisa que temos que reconhecer, para não sermos injustos: em termos de lidar com terremotos, eles têm uma cultura secular, milenar de lidar com isso e com certeza são um exemplo para a Humanidade. Por outro lado, existem acontecimentos que derivam de eventos semelhantes a esses que fazem com que a junção desses eventos naturais de magnitude insondável com o nosso estilo inadequado de viver causa danos muito grandes. É um grande ensinamento.
Por que a senhora defende que o Brasil não precisa de energia nuclear?
Marina Silva – O Brasil não precisa da energia nuclear. Não precisa, não precisa, não precisa. O Brasil tem sol, o Brasil tem vento, o Brasil tem biomassa, o Brasil tem água, o Brasil tem, inclusive, petróleo e gás. Mas, para produzirmos energia, as pessoas estão fazendo um investimento caro para uma energia que não é segura. No meu entendimento, a grande lição é rever o programa nuclear no Brasil. O mundo todo está fazendo isso. Por que não o Brasil? O que nos faz ser diferentes em relação aos outros países nessa discussão é que nós temos alternativas. E uma boa parte não tem as alternativas que nós temos. Em relação a termos a maior área de insolação do planeta, termos um potencial de eletricidade muito grande, o próprio ex-ministro Roberto Rodrigues disse que nós teríamos quatro usinas de Belo Monte só da palha e do bagaço da cana-de-açúcar. Quem tem tudo isso fora o Brasil? Não vejo necessidade de investirmos recursos que não temos para uma energia que é cara e perigosa.
Por que a senhora acha que existem pessoas que defendem tanto a energia nuclear aqui no Brasil?
Marina Silva – É difícil a gente fazer qualquer tipo de especulação. Existem aqueles que querem dominar essa tecnologia. Do ponto de vista da pesquisa científica, não tem problema. Podem continuar pesquisando. Com certeza o Brasil já tem o domínio dessa tecnologia. Mas em relação ao suprimento de energia, nós temos outras fontes mais seguras, mais abundantes e até mais baratas. É uma pergunta bem interessante a que você faz. Por que, em que pesa circunstâncias, se insiste tanto na geração de energia nuclear quando a gente poderia investir em outras fontes?
Como analisa a reação do governo brasileiro nessa questão?
Marina Silva – A reação mais adequada, no meu entendimento, foi a do ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, que diante daqueles que já ficam muito açodados em querer minimizar o que não se pode minimizar, o que não tem como minimizar, e querer mostrar uma segurança e um controle que o mundo inteiro não tem, que supostamente o Brasil teria, o Aloizio falou que nós temos riscos. Não são os mesmos riscos dos japoneses, mas temos outros riscos, e que temos que ter um olhar cuidadoso para esses riscos. Não sei se isso é a fala do governo, mas é a fala de um membro do governo que agiu, eu acho, que de acordo com a prudência, que todo mundo tem diante de algo tão avassalador como o que está acontecendo no Japão. Mais uma vez eu digo: essa visão de suposto saber, de suposto controle, está querendo enganar a quem? Engane a si mesmo, mas não queiram vir enganar a sociedade e a opinião pública.
Quais são esses riscos que a senhora vê no Brasil?
Marina Silva – Nós temos problemas com deslizamentos, por exemplo, chuvas torrenciais. Quem disse que esses grandes deslizamentos que acontecem em outras regiões não podem acontecer lá [em Angra dos Reis]. Ali é inseguro por natureza. Do ponto de vista geológico, não sabemos. Não sou especialista para dizer quais são todos os riscos, mas com certeza eles existem. Mas o maior risco é que não sabemos o que fazer com esses resíduos. Eles vão ficando como uma herança maldita para as futuras gerações. O que eles vão fazer com esses resíduos radioativos? Isso nós não sabemos. As pessoas apenas vão acumulando, acondicionando. E, às vezes, nem sempre da melhor forma possível. Não é só o processo de geração em si que está acontecendo nas usinas e nos reatores. São também os resíduos que vão ficando como um depósito e uma herança maldita para aqueles que virão.
Qual será a atitude do PV, neste momento, em relação à energia nuclear?
Marina Silva – Acredito que mantém a coerência. Quando eu era ministra do Meio Ambiente, mesmo sendo do PT, votei contra no Conselho de Política Energética. Naquela época, as pessoas acharam que o ministério estava tendo uma posição dissonante do governo e não era admissível ouvir alguns comentários de um ministro que votava contra a posição do governo. Não se tem que votar a favor ou contra a posição do governo, se tem que votar de acordo com aquilo que se acha justo, correto e ético para com a sociedade. E o meu voto e o voto da minha equipe sempre foram considerando o que orientava as ações do Ministério do Meio Ambiente: quando não temos segurança em relação a algo, temos que ser precavidos. E aí entra a ideia do princípio da precaução. Em relação a esses resíduos, é mais do que claro e evidente, e o episódio do Japão nos diz isso, não em palavras, não em papers científicos, diz na tragédia, em três dimensões, que não temos o controle, não temos como dar conta de algo que não temos um antídoto para reverter.
Em 2006, na reeleição do ex-presidente Lula, quando a então ministra Dilma defendeu a energia nuclear a senhora se posicionou logo depois da campanha…
Marina Silva – Em primeiro lugar: eu entrei no governo com uma posição contrária à energia nuclear, mantive a minha posição, em qualquer lugar público, mantive minha posição no Senado e na campanha presidencial…
…a pergunta é se na época do governo, a senhora chegou a conversar com a então ministra Dilma Rousseff a respeito dessa questão da energia nuclear?
Marina Silva – Sempre conversei no âmbito dos fóruns adequados, que era o Conselho de Política Energética, do Ministério de Minas e Energia. Nós tínhamos um assento e um voto lá. Fizemos um voto e apresentamos as razões pelas quais votávamos contra e dizíamos que não era necessário o Brasil fazer esse investimento. Se era para o Brasil fazer um investimento mais elevado para geração de energia, que se fizesse isso com a energia solar, por exemplo, já que a energia eólica teve hoje uma redução do custo que está altamente competitiva, menor até do que as termoelétricas.
Como a senhora analisa, dentro desses fóruns e desses debates que aconteceram naquela época, a posição da então ministra Dilma em relação à energia nuclear?
Marina Silva – A ministra Dilma, na época como ministra e hoje a nossa presidente, levantava uma série de questionamentos em relação aos custos da energia nuclear. Ela sempre levantou esses questionamentos para ser honesta com a posição que ela tinha, que era uma atitude bastante reticente em relação a questão dos custos. Setores do governo, a própria EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o próprio Mauricio Tolmasquim e setores do Ministério de Ciência e Tecnologia faziam estudos tentando convencer de que os custos não eram tão altos assim. A gente sabe que mesmo esse custo de R$ 220 por megawatt /hora está bem subfaturado. É muito maior do que isso porque tem uma série de subsídios que não aparecem. Mas lembro-me de ela, enquanto ministra de Minas e Energia, fazer críticas em relação à questão dos custos. Mas, num determinado momento, quando isso foi para votação, aí foi aprovado, inclusive com o voto favorável dela.
Assista o depoimento de Marina Silva. Clique Aqui
A senhora já pensou em procurar a presidenta Dilma, conversar com o ministro Aloizio Mercadante? Há alguma interlocução com o governo?
Marina Silva – Mais do que a conversa de uma pessoa com a presidente e com os ministros, o que vai prevalecer é o apelo dessa tragédia do Japão. O que nós precisamos é vocalizar essa tragédia. Não permitir que ela nos paralise e, ao mesmo tempo, não cauterizar a nossa mente, a nossa inteligência política para um episódio dessa magnitude. Ainda mais na realidade de um país como o nosso que, se há investimentos a serem feitos, que sejam para gerar energia limpa e segura. E não para uma energia que é por natureza insegura, como estamos vendo em um dos países mais desenvolvidos do mundo. Mais do que uma pessoa, é a opinião pública nacional e internacional que nesse momento se coloca. E o bom senso dos agentes públicos. É isso que vai falar na consciência de cada um.
Data: 22/3/2011
Fonte: com informações do Poder Online