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Charles Sabine, advogado dos pacientes

Mayana Zatz

Genética

30/06/2011

Fonte: Veja.com

Esse era o título de uma das sessões do Congresso Internacional de células-tronco, em Toronto. Imaginei que seria uma fala defendendo os direitos dos pacientes, as lutas com seguro saúde e outras dificuldades bem conhecidas por todos nós. Mas quando Charles – um homem alto, de compleição forte – na faixa de 50 anos- começou sua apresentação logo percebemos que não era sobre isso que ele queria falar. Era sobre a sua história pessoal. E aos poucos a emoção foi tomando conta de todos, Charles é um jornalista britânico, várias vezes premiado, e que cobriu inúmeras guerras como correspondente da NBC news. Ele iniciou seu depoimento mostrando cenas de guerra com destruição e mortes que ele havia filmado (Iraque, Siria, Israel, Bosnia, Chechenia, Ruanda entre muitas outras).

Entre uma cena e outra ele começou a contar que enquanto trabalhava como correspondente, seu pai começara a apresentar uma doença neurológica degenerativa. Não tardaram a firmar o diagnóstico: coréia de Huntington (CH). Trata-se de uma doença hereditária causada por uma mutação em um gene responsável por uma proteína que foi denominada huntingtina. Nos portadores do gene alterado há uma perda progressiva dos neurônios, que em poucos anos leva à incapacidade motora e cognitiva, de forma  irreversível O início se dá geralmente após a quarta década de vida, mas é muito variável.

Charles nunca havia ouvido falar dessa doença antes de saber do diagnóstico de seu pai. Não poderia nunca imaginar como ela iria afetar a sua família, já que ao estabelecerem o diagnóstico, os médicos informaram que ele e seu irmão mais velho tinham um risco de 50% de ter herdado o gene com a mutação.

Seu irmão mais velho,comentava Charles, vivia treinando como andar em uma linha reta porque sabia que esse seria o primeiro teste que um neurologista iria lhe pedir em uma consulta. Mas pouco adiantou. Havia herdado o gene da CH e a doença avançava. Cenas com os horrores da guerra eram mostradas ao mesmo tempo que ele falava sobre a batalha que enfrentava na sua vida pessoal – sua guerra pessoal. E seis anos atrás, Charles decidiu finalmente submeter-se ao teste genético. Tomou essa decisão após sobreviver, quase que por milagre, a uma granada que quase explodiu na perto de sua cabeça. Mas a sorte não o privilegiou uma segunda vez. Infelizmente havia herdado também a mutação da CH. Charles carregava dentro dele uma bomba que poderia ser detonada a qualquer momento, irreversivelmente.

Seu discurso não inspirava piedade. Ao contrário, ele despertava admiração por sua coragem em expor a sua vida, suas expectativas e a guerra que não era só dele, mas de todos os pacientes a quem defendia com seu depoimento. E ao mesmo tempo que nos agradecia reiteradamente por nos dedicarmos às pesquisas, ele descrevia a emoção de pacientes diante de qualquer notícia que lhes dê alguma esperança.

Terminou sua fala mostrando uma cena muito forte. Uma menina que devia ter entre  10 e 12 anos, fugindo de um massacre, com o rosto coberto de lama e carregando nos ombros a sua irmã mais velha, muito maior do que ela. Uma imagem que transmitia uma emoção indescritível pelo seu enorme simbolismo de força, determinação e coragem: ultrapassando barreiras, superando limites, mesmo carregando aquele enorme fardo…. Um recado ao mesmo tempo para os pacientes e para nós, pesquisadores. Charles foi aplaudido de pé por vários minutos. As lágrimas dos cientistas ali presentes – considerados por muitos como frios e desprovidos de emoções – corriam soltas. E certamente, todos aqueles que estavam presentes saíram diferentes do que entraram.

Muito obrigada, Charles.

Por Mayana Zatz

Tags: Charles Sabine, toronto