O elo entre o massacre na Lituânia e o sionismo
13 de novembro de 2011 | 3h 06
É COLUNISTA, ROGER, COHEN, THE NEW YORK TIMES, É COLUNISTA, ROGER, COHEN, THE NEW YORK TIMES – O Estado de S.Paulo
O último judeu de Zagare, pequena cidade lituana conhecida por suas cerejas, morreu em setembro. O nome dele era Aizikas Mendelsonas, nascido em 1922. Não foi enterrado em nenhum dos dois cemitérios judaicos, com suas lápides inclinadas, as inscrições apagadas e o líquen cada vez mais abundante. Ninguém mais é enterrado lá, nem mesmo os judeus.
Quando nasceu, Mendelsonas era apenas um dentre os cerca de 2 mil judeus que moravam em Zagare, onde havia 7 sinagogas, 1 escola hebraica e o banco do povo judeu. Os judeus compunham cerca de 40% da população da cidade. Então, em rápida sucessão, vieram a anexação soviética, cuja responsabilidade foi atribuída aos "judeus bolcheviques", e a ocupação nazista, determinada a aniquilar os judeus.
Os nazistas não perderam muito tempo depois de invadir a Lituânia, em junho de 1941. Os judeus de Zagare foram reunidos num gueto. Em 2 de outubro de 1941, eles foram levados à praça central antes de serem conduzidos à floresta para serem executados nas mãos de assassinos nazistas.
Karl Jäger, Standartenführer da SS, afirmou num relatório que naquele dia 2.236 judeus foram assassinados em Zagare. Em 1944, os soviéticos, depois de bater os nazistas no campo de batalha, examinaram uma vala comum e encontraram 2.402 corpos.
Recupero tais eventos por dois motivos. O primeiro é que minha avó Pauline ("Polly") Soloveychik era de Zagare, e meu avô Morris Cohen era de Siauliai e, portanto, tenho um interesse natural naquilo que teria ocorrido com eles caso tivessem permanecido lá.
O segundo motivo é que tenho pensado no elo entre Zagare e o sionismo. A permanência do conflito palestino-israelense – sua capacidade de atravessar a Guerra Fria, o pós-Guerra Fria, a revolução digital, a ascensão da China, a primavera árabe – decorre em parte da equivalência moral quase perfeita entre dois lados que afirmam o suposto direito a um mesmo território.
Solução. Por meio da votação de 29 de novembro de 1947, prevendo o estabelecimento de dois Estados na Terra Santa – um judaico e outro árabe e palestino – as Nações Unidas tentaram expiar os crimes nazistas ao conceder aos judeus aquilo que Benny Morris, historiador israelense, chama de "garantia internacional do direito a um pequeno pedaço de terra". O problema é que este pedaço de terra, berço do povo judeu, não estava vazio. Na verdade, na época da votação da ONU, cerca de 630 mil judeus viam-se diante de aproximadamente 1,3 milhão de árabes palestinos na Terra Santa. Os palestinos não compreenderam por que deveriam pagar pelo Holocausto. Os Estados árabes, enxergando em Israel uma nova expressão do colonialismo europeu, foram à guerra contra a decisão da ONU – e perderam.
A solução do conflito começa com a aceitação de que não existe nenhum resultado justo possível, nenhum. Um número demasiado de judeus e árabes já foi sacrificado na tentativa de provar o valor da própria causa. Concessões mútuas e imperfeitas são a única saída para a espiral.
Carregando Zagare em meu sangue, consciente do resultado de anos de precariedade judaica, acredito que a defesa de Israel continua sendo inquestionável, mas um Israel que condena outro povo ao exílio não é o país que seus fundadores imaginaram.
Um Estado israelense, um Estado palestino, união econômica entre ambos, supervisão internacional nos locais sagrados de Jerusalém e Belém: a ideia da ONU de 1947 não está muito distante dos termos que uma paz duradoura deve envolver.
O segundo estágio de uma solução para o conflito está em perceber que não há nenhuma nova ideia, nenhuma. A única opção que existe é reunir boa vontade o bastante para chegar à troca já conhecida.
Futuro. Fui visitar o túmulo de Mendelsonas – o último judeu de Zagare. Finalmente, pensei, Zagare ficou Judenrein (limpa de judeus). Num certo sentido, os nazistas venceram. Então, nas imediações, vi uma bandeira da União Europeia e pensei, não venceram. Mendelsonas, nos seus 89 anos, sobreviveu a cinco Lituânias – independente, soviética, nazista, soviética e independente.
A última foi a melhor, um pequeno Estado, seguro, membro da Otan, associado a uma união econômica com seus vizinhos, em paz até mesmo com a Rússia.
É incrível aquilo que a decisão de colocar o futuro acima do passado, e os empregos acima de algum tipo de justiça inalcançável, é capaz de forjar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL