Professora estuda há dez anos sentimento que geralmente coincide com situações difíceis
06 de janeiro de 2011 | 18h 22
estadão.com.br
A noção de estar zangado com Deus remonta a tempos antigos. Essas lutas pessoais não são novas, mas a psicóloga Julie Exline, da Universidade Case Western Reserve, nos Estados Unidos, começou a olhar para esse sentimento de uma nova maneira.
Case Western University/Divulgação
Julie publicou resultados da pesquisa em revista científica
"Muitos povos experimentam a raiva contra Deus. Mesmo as pessoas que o amam e respeitam profundamente podem ficar irritadas. Assim como ficamos tristes ou nervosos com os outros, incluindo entes queridos, também podemos ficar com raiva de Deus", explica Julie.
A psicóloga, que é professora adjunta na Faculdade de Artes e Ciências da universidade, tem pesquisado durante a última década essa sensação, conduzindo estudos com centenas de pessoas, como estudantes, sobreviventes de câncer e familiares.
Julie e colegas relatam os resultados do estudo no artigo "A raiva em direção a Deus: Prognósticos sócio-cognitivos, prevalência e relação com ajuste ao luto e câncer", publicado na mais recente edição da revista científica Journal of Personality and Social Psychology.
A raiva contra Deus muitas vezes coincide com mortes, doenças, acidentes ou desastres naturais. No entanto, essa cólera não se limita a situações traumáticas. Ela também pode aparecer quando as pessoas experimentam desapontamentos, falhas ou decepções com os outros. Alguns veem Deus como responsável por esses eventos, e irritam-se quando identificam nele intenções cruéis ou insensíveis. Segundo Julie, esses indivíduos devem pensar que o "todo-poderoso" os abandonou, traiu ou maltratou.
A autora da pesquisa também destaca que pode ser difícil para alguém reconhecer sua raiva. Muitos têm vergonha e não querem admitir os sentimentos, diz ela. Em particular, as pessoas que são muito devotas podem acreditar que devem focar somente o lado positivo da vida religiosa.
"Mas a religião e a espiritualidade são domínios diferentes da vida, assim como o trabalho e os relacionamentos", explica a psicóloga. "Isso pode trazer benefícios importantes, mas também dificuldades. A raiva contra Deus é um desses conflitos", acrescenta.
Segundo as conclusões do estudo, protestantes, afroamericanos e idosos tendem a relatar menos raiva contra Deus. Por outro lado, pessoas que não acreditam em Deus podem, ainda assim, ter raiva dele – que se torna mais angustiante quando é frequente, intensa ou crônica.
Superar esse sentimento, segundo Julie, pode exigir alguns dos mesmos passos necessários para resolver problemas de ódio entre os humanos.
"As pessoas podem se beneficiar se refletirem mais atentamente sobre essa situação e sobre como veem o papel de Deus nisso", sugere a pesquisadora. "Por exemplo, elas podem se tornar menos irritadas se decidirem que Deus não é realmente o responsável pelo evento perturbador, ou se perceberem como Deus pode trazer algum significado ou benefício por meio de uma situação dolorosa", completa.
Indivíduos que sentem raiva de Deus também precisam ter certeza de que não estão sozinhos. Muitos vivenciam essas lutas, acrescenta Julie. Ela sugere que as pessoas tentem ser abertas e honestas com Deus sobre sua ira, em vez de afastar-se dele ou tentar encobrir seus sentimentos negativos.