LEONARDO BOFF
Para o teólogo Leonardo Boff, a palavra do papa Bento XVI dirigida aos bispos brasileiros e publicada na imprensa é inoportuna. Diante desta palavra e para que não sejam vítimas da hipocrisia, os cristãos católicos brasileiros devem considerar que "nos catolicíssimos países como Portugal, Espanha, Bélgica, e na Itália dos papas já se fez a descriminalização do aborto", bradou.
Boff enfatizou que "todos os apelos dos papas em contra não modificaram a opinião da população quando se fez um plebiscito.” O teólogo enfatizou que é contra o aborto, mas que não se trata apenas do aspecto moral, a ser sempre considerado. “Deve-se atender também a seu aspecto de saúde pública. No Brasil, a cada dois dias morre uma mulher por abortos mal feitos", relatou. Para logo indagar: "diante de tal fato devemos chamar a polícia ou chamar o médico? O espírito humanitário e a compaixão nos obriga a chamar o médico", frisou.
A descriminalização nos países por ele mencionados fez com que o número de abortos diminuisse consideravelmente, observou. “O organismo da ONU que cuida das populações demonstrou há anos que, quando as mulheres são educadas e conscientizadas, elas regulam a maternidade e o número de abortos cai enormente. Portanto, o dever do Estado e da sociedade é educar e conscientizar e não simplesmente condenar as mulheres que, sob pressões de toda ordem, praticam o aborto. É impiedade impor sofrimento a quem já sofre", argumentou.
O teólogo lembrou que o canon 1398 condena com a excomunhão automática quem pratica o aborto e cria as condições para que seja feito. “Ora, foi sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, e sendo ministro da saúde José Serra, que foi introduzido o aborto na legislação, nas duas condições previstas em lei: em caso de estupro ou de risco de morte da mãe. Se alguém é fundamentalista e aplica este canon, tanto Serra quanto Fernando Henrique estariam excomungados. E Serra nem poderia ter comungado em Aparecida como ostensivamente o fez”, alegou Boff.
Quando se trata do sofrimento de centenas de mulheres pobres, que morrem a cada ano, "é bom que mantenhamos o espírito crítico face a esta inoportuna intervenção do papa na política brasileira fazendo-se cabo eleitoral dos grupos mais conservadores", alegou o teólogo.
Ele denunciou com firmeza que "o povo mais consciente tem, neste momento, dificuldade em aceitar a autoridade moral de um papa que durante anos, como cardeal, ocultou o crime de pedofilia de padres e de bispos".
Boff concluiu sua contundente manifestação dizendo que "como cristãos escutaremos a voz do papa, mas neste caso, em que uma eleição está em jogo, devemos recordar que o Estado brasileiro é laico e pluralista. Tanto o Vaticano e o Governo devem respeitar os termos do tratado que foi firmado recentemente, em que se respeitam as autonomias e se enfatiza a não intervenção na política interna do pais, seja na do Vaticano seja na do Brasil".
Data: 3/11/2010 08:59:37
Fonte: ALC