Religioso foi um dos nomes mais proeminentes da Igreja Católica no Brasil e se destacou pela proteção a refugiados políticos das ditaduras no Cone Sul
Dom Eugênio Sales morre no Rio de Janeiro aos 91 anos (Folhapress)
O cardeal Dom Eugênio Sales, arcebispo emérito do Rio de Janeiro e um dos nomes mais proeminentes da Igreja Católica no Brasil, morreu na noite desta segunda-feira, na capital carioca. Ele tinha 91 anos. Segundo a assessoria da Arquidiocese do Rio de Janeiro, ele estava em casa, na Estrada do Sumaré, zona norte da cidade, e morreu de infarto.
O velório está marcado para começar ao meio-dia desta terça-feira, na Catedral Metropolitana de São Sebastião, no centro do Rio. O sepultamento deve ocorrer às 15 horas de quarta-feira, no mesmo local, após o irmão de Dom Eugênio, Dom Heitor Sales, voltar de uma viagem à Europa.
De perfil conservador e defensor da ortodoxia católica, Dom Eugênio combateu doutrinas esquerdistas na Igreja, como a Teologia da Libertação, corrente considerada por ele perigosamente próxima do marxismo. Ao mesmo tempo, ajudou a salvar a vida de mais de 5.000 perseguidos políticos – entre brasileiros, argentinos, chilenos e uruguaios – das ditaduras militares do Cone Sul, entre 1976 e 1982. Para isso, abrigou os refugiados, sem alarde, no Palácio São Joaquim, residência oficial do arcebispo do Rio de Janeiro, e numa rede de oitenta apartamentos alugados.
Da mesma forma, denunciou a tortura de presos comuns e se recusou a receber honrarias dos generais no poder, apesar de carregar durante anos a pecha de aliado do regime militar devido à sua posição conservadora na Igreja. Em uma entrevista à VEJA Rio, por ocasião de sua aposentadoria como arcebispo da cidade, Dom Eugênio comentou a maneira com que, sem afrontar o regime, conseguiu proteger milhares de pessoas perseguidas por ele. "É difícil dizer do que mais me orgulho nesses trinta anos, mas talvez tenha sido a atitude que tomei durante o período militar, a de não provocar para poder salvar".
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A Arquidiocese do Rio emitiu nota oficial na qual destaca a fé do religioso e sua abnegação no cumprimento da função sacerdotal: "Dom Eugenio de Araujo Sales, o mais antigo Cardeal da Igreja Católica, era Cardeal Presbítero da Santa Igreja Romana, do Título de São Gregório VII. Seu lema, fundamentado na Carta de São Paulo aos Coríntios, foi: ‘Impendam et Superimpendar‘ (‘De muito boa vontade darei o que é meu, e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos mais, seja menos amado por vós’)".
Antonio Ribeiro
Dom Eugênio Sales: sem medo dos generais
Trajetória – Nascido em Acari, no Rio Grande do Norte, em 8 de novembro de 1920, Dom Eugênio foi ordenado sacerdote em 1943, após estudar filosofia e teologia no Seminário da Prainha, em Fortaleza. Depois de atuar na Arquidiocese de Natal como bispo auxiliar e administrador apostólico, tornou-se arcebispo de Salvador e primaz do Brasil em 1968. No ano seguinte, foi nomeado cardeal pelo papa Paulo VI.
Nessa época, Dom Eugênio foi um dos criadores das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs ) e da Campanha da Fraternidade. Três anos depois, se tornou arcebispo do Rio de Janeiro, função que exerceu até 2001, quando renunciou e foi substituído por Dom Eusébio Scheid. Após a morte do papa João Paulo I, em 1978, o nome de Dom Eugênio Sales foi um dos cogitados para suceder o pontífice.
Próximo do Vaticano como nenhum outro cardeal brasileiro, em seus quase sessenta anos de episcopado e mais de quarenta de cardinalato, Dom Eugênio nomeou 22 bispos e 215 padres.
Repercussão – Em nota divulgada na madrugada desta terça, o governador do Rio, Sérgio Cabral, lamentou a morte do cardeal e decretou luto oficial de três dias no estado. "Dom Eugênio Sales era amado pelo povo do Rio de Janeiro. Nas últimas décadas, a sua liderança religiosa foi a mais importante do nosso estado. Vamos decretar três dias de luto", afirmou Cabral.
O atual arcebispo do Rio, Dom Orani João Tempesta, destacou a atuação do religioso durante a ditadura militar ao mesmo tempo que sua fidelidade à Igreja. "Dom Eugênio Sales foi um homem de Igreja, que seguiu Jesus Cristo. Soube estar presente nos momentos do Brasil, na questão dos refugiados, dos perseguidos. Ao mesmo tempo, teve sua presença junto ao Vaticano. Ele deixa marcada sua vida pela sua presença significativa na Igreja e no Brasil", declarou.
"Lembramos de sua atuação, principalmente, na Favela do Vidigal, ajudando os mais necessitados. Foi alguém que, ao mesmo tempo, nunca deixou a fidelidade ao seu amor à Igreja e ao Santo Padre", disse Dom Orani.
A morte de Dom Eugênio também foi comentada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Edurado Pes. "Dom Eugênio Sales zelou por nossa cidade durante décadas. Grande homem de Deus, ele será sempre lembrado por sua sabedoria, a força de seus ensinamentos, a perspicácia com que comunicava e defendia sua fé e o exemplo de caridade nos anos mais difíceis da história brasileira. Que ele continue protegendo e abençoando o Rio e os cariocas".