REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
FERNANDO MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O papiro do século 4º d.C. que contém uma referência à suposta "mulher de Jesus", revelado ontem, já está causando um movimentado debate entre os especialistas, como era de se esperar.
Apresentado nesta semana em Roma, numa reunião de estudiosos da língua copta (idioma extinto do Egito no qual o fragmento de texto está escrito), o papiro deixou dúvidas sobre sua autenticidade.
"Eu diria que é uma fraude. A caligrafia não parece autêntica", declarou Alin Siciu, papirologista da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, à agência de notícias Associated Press.
Especialistas também questionaram a espessura da tinta (parece que as letras foram reforçadas repetidas vezes) e o aspecto excessivamente "limpo" do papiro.
Ninguém pôs em dúvida, no entanto, a integridade da historiadora Karen King, da Universidade Harvard, responsável por trazer a público o texto depois de tê-lo recebido das mãos de um colecionador particular, que não quer ser identificado.
King decidiu publicar o fragmento depois que dois outros especialistas em papiros antigos consideraram que o fragmento provavelmente era verdadeiro.
"É difícil ter certeza sobre a autenticidade agora, mas ela tem excelente reputação e foi muito cuidadosa", disse à Folha André Chevitarese, especialista em cristianismo antigo do Instituto de História da UFRJ e do Departamento de História da Unicamp.
A pesquisadora de Harvard diz que pretende submeter a tinta do fragmento a análises químicas capazes de determinar a sua idade.
O grande consenso entre os especialistas, no entanto, é que o texto, se for autêntico, não diz respeito ao Jesus histórico, por ter sido escrito muito depois da morte de Cristo, "provavelmente no século 3º", diz Chevitarese –a data da composição inicial seria anterior à da cópia preservada parcialmente.
"Na literatura posterior ao primeiro século da Era Cristã, florescem as mais aberrantes interpretações de Jesus, especialmente nos aspectos em torno dos quais não há dados claros nos livros canônicos [os da Bíblia]", explica Flávio Schmitt, professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS).
A grande diversidade de visões teológicas nas comunidades cristãs dessa época significa que, enquanto algumas defendiam a supremacia dos homens e o celibato, outras incluíam a participação feminina –e o modelo disso podia ser a proximidade entre Jesus e Maria Madalena.
Para Chevitarese, na raiz dessa ideia estava o papel importante das mulheres no ministério original de Jesus, embora não haja evidências de que ele tivesse uma esposa.
A CNBB e a Arquidiocese de São Paulo foram procuradas para comentar o tema, mas não se pronunciaram.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress