Capa traz detalhe da obra "O Jardim das Delícias Terrenas", de Bosch
Os prazeres da carne mexem com as pessoas das mais diversas maneiras, tendo em algumas situações extremas atos de libertinagem desenfreada. O celibato, dispositivo disciplinar que visa controlar tais desejos, tem história e desde sua primeira defesa, no ano 306, gera dúvida nas cabeças que devem optar entre a mulher e família ou a disciplina rígida e amor incondicional à Igreja Católica.
"Entre a Batina e a Aliança", esse é o dilema que a professora e pesquisadora Edlene Silva acompanha no discurso sagrado religioso até a contemporaneidade. "O celibato é uma das principais inquietações entre os padres de todo o mundo", destaca a autora.
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A estudiosa das relações entre a sexualidade, religiosidade e misoginia, também afirma que o tema gera cada vez mais debate nas ordens disciplinares, pois "o crescimento vertiginoso do número de padres que desobedecem o voto sacerdotal, seja para contrair matrimônio, seja para darem vazão a práticas sexuais durante o exercício do sacerdócio – e aqui me refiro a diferentes modalidades de relacionamento consideradas ilícitas (com fieis, freiras, pessoas do mesmo sexo, ou mulheres casadas), assim como aos casos de pedofilia."
Além de contar e analisar os dramas e tramas que tomam conta dos conflitos e desejos do corpo, a autora dá voz ao Movimento de Padres Casados -MPC, criado em 1979, ano em que ocorreu o I Encontro Nacional de Padres Casados, na cidade Volta Redonda, Rio de Janeiro.
Leia trechos de "Entre a Batina e a Aliança", e saiba um pouco mais sobre esta conflituosa relação.
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O celibato como regra obrigatória para os padres não nasceu com o cristianismo. Foi uma prática cultural construída gradualmente e só se tornou compulsória para o clero latino, no século XII, entre conflitos e discursos contraditórios. A aceitação de uma norma social ocorre em um processo lento, marcado por resistências, para finalmente se tornar um hábito ouhabitus, como uma regra introjetada pelos indivíduos que formam a sociedade.
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Os homens e as mulheres que se abstinham de práticas sexuais concebiam a castidade como símbolo do apogeu da natureza humana, liberta da "animalidade e da imundície" que impossibilitavam o contato do homem com a divindade e o restabelecimento da perfeição perdida: "Eunucos voluntários pelo Reino dos Céus’ (Mateus, 19:12). O ato sexual seria uma fraqueza da carne, inerente à humanidade, que devia ser controlada pelo matrimônio.
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Um dos critérios para punir os comportamentos desviantes dos sacerdotes residentes no Brasil colonial era o grau de publicidade do crime e dependia das denúncias efetuadas para que o clérigo fosse julgado e talvez condenado, ou seja, a tolerância ou a intolerância com os relacionamentos clericais variava de acordo com a situação. Por vezes a sociedade "aceitava" os concubinatos de clérigos, mas também os delatava na presença intimidadora da Igreja.