Grupo encontra hominídeo com dedão de pé de macaco na Etiópia

 

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA E SAÚDE"

Tem gente que vive com um pé no passado, mas um estranho hominídeo de 3,4 milhões de anos abusava do direito de ser saudosista.

Enquanto outros membros primitivos da linhagem humana já tinham dominado totalmente a arte de andar com duas pernas, a criatura ainda tinha um dedão do pé que funcionava como polegar, como o dos chimpanzés e gorilas de hoje, por exemplo.

Isso não o tornava totalmente incapaz de caminhar como bípede, mas decerto comprometia a elegância e a eficiência de seu passo –ele teria de apoiar a maior parte de seu peso no lado de fora do pé, como fazem os grandes macacos atuais.

A descoberta do hominídeo "passadista", cuja espécie ainda é um mistério, está na revista científica "Nature" desta quinta-feira.

Os responsáveis por ela são o etíope Yohannes Haile-Selassie e o americano Bruce Latimer, ambos da Universidade Case Western Reserve, em Ohio (EUA).

As informações sobre a criatura ainda são parcas porque os pesquisadores, por enquanto, só acharam oito ossos do pé direito do hominídeo. Os dados são suficientes, no entanto, para reconstruir como a criatura andava.

"O andar bípede é o que separa os seres humanos e seus ancestrais diretos dos outros primatas e, na verdade, de todos os outros mamíferos", diz Bruce Latimer. "Encontrar um hominídeo que foge desse padrão é surpreendente."

Editoria de Arte/Folhapress

O VELHO E O NOVO

Surpreendente, mas não exatamente único. O hominídeo mais antigo cujo esqueleto quase completo chegou até nós, o etíope Ardipithecus ramidus, de 4,4 milhões de anos, também possuía um dedão do pé (ou hálux, como preferem os cientistas) com características semelhantes às vistas em macacos: curto e distanciado dos demais dedos do pé.

A interpretação mais comum desse fato é que, embora passasse algum tempo no chão, na posição ereta, o A. ramidus também seria capaz de agarrar galhos de árvore com os pés, locomovendo-se no alto da floresta.

No entanto, por volta de 3,5 milhões de anos atrás, uma única espécie de hominídeo parecia ter tomado conta da África Oriental. Era o Australopithecus afarensis, a espécie da famosa fêmea "Lucy" –um ancestral do homem já quase totalmente bípede.

O problema é que o novo e misterioso hominídeo é praticamente contemporâneo de "Lucy", mas seu pé é de um "modelo" 1 milhão de anos mais antigo. Mal comparando, é como se humanos atuais convivessem com o Homo erectus na mesma região, já que ambos eram da Etiópia.

Além do dedão com capacidades de polegar, os outros dedos do "novo" hominídeo etíope também eram mais compridos que os de hominídeos mais recentes. No geral, o pé da criatura se parecia mais com o de um gorila.

Os cientistas querem tentar achar mais fósseis antes de determinar a identidade da criatura. Pode ser, por exemplo, que se trate de um espécime tardio da linhagem doArdipithecus.

De qualquer modo, não seria a primeira vez que múltiplas espécies de ancestrais do homem, cada uma com adaptações diferentes para modos de vida diversos, são identificadas na mesma região e época pelos cientistas.

Outro exemplo, alguns milhões de anos depois, envolve os chamados australopitecos robustos, que desenvolveram enormes mandíbulas para mastigar gramíneas e sementes duras.

Mistério do túmulo do último imperador inca a um passo de ser desvendado

 

DA FRANCE-PRESSE

Muito procurado, mas nunca descoberto, o túmulo de Atahualpa, o último imperador inca, se mantém no centro de muitas especulações ao longo dos anos; mas, desta vez, o enigma parece ter sido desvendado no Equador, bem no meio dos Andes.

Fortalezas, palácios e santuários do antigo império pré-colombiano se espalham na região de Sigchos, a 70 km ao sul de Quito, no sopé ocidental da cordilheira, e seus segredos ainda são numerosos.

A historiadora equatoriana Tamara Estupiñan acha que desvendou um desses mistérios, localizando, em junho de 2010, após dez anos de trabalhos, um "sítio arqueológico inca", não muito longe do legendário vulcão Cotopaxi.

Para esta pesquisadora, do Instituto francês de Estudos Andinos (Ifea), ninguém duvida que neste amontoado de pedras, junto às margens do rio Machay, no território Malqui, se esconda a última morada de Atahualpa.

"Machay significa gruta, santuário e Malqui, corpo ou múmia de um ancestral, no idioma do povo histórico. Então, Malqui Machay significaria o local onde foi enterrado seu corpo", explica ela à AFP, recorrendo à linguística.

A hipótese toma cada vez mais corpo, com a descoberta de um monumento arquitetural composto de várias salas retangulares, construído com pedras talhadas e polidas.

A entrada da cidade desemboca num "ushno", espécie de pirâmide truncada onde ficaria o trono do imperador, perto de uma pequena cascata que garantiria o "banho do inca".

Último Tupac, ou imperador do império inca, domínio que se espalhou pela Colômbia atual até o Chile e a Argentina, Atahualpa foi executado pelos colonizadores espanhóis em 1533, mas sua múmia nunca foi encontrada.

O terreno, antes sagrado, pertence atualmente a um criador de galos de briga, uma tradição local. E alguns gostam de destacar as coincidências da história. Conta a lenda, por exemplo, que um galo se pôs a cantar após a morte de Atahualpa.

CONSERVAÇÃO FENOMENAL

As autoridades parecem também acreditar na tese da descoberta do túmulo do último rei dos incas, pelo que declararam o local zona protegida de escavações futuras.

O diretor do Ifea, Georges Lomné, compartilha a certeza da arqueóloga equatoriana, lembrando que o território fazia parte do "domínio pessoal" de Atahualpa. Quanto à sua múmia, "é possível que tenha passado por aí ou tenha permanecido um tempo no santuário", disse ele à AFP.

"É uma descoberta capital na história da arqueologia do Equador e da região", afirma à AFP a ministra equatoriana do Patrimônio, Maria Fernanda Espinosa.

A arqueóloga americana Tamara Brau, da Universidade Wayne State no Michigan, que participa também das pesquisas de Sigchos, parece também convencida. O sítio apresenta "um estado de conservação fenomenal, além de possuir uma importância científica considerável", disse ela.

No local, apenas o proprietário da criação, Francisco Moncayo, mostra-se ainda cético, apesar do entusiasmo geral.

"Tamara também recorre à linguística, frisando que Malqui é a múmia do inca e que Machay é um local de repouso. E como a múmia de Atahualpa nunca apareceu, pode ser que ainda esteja lá… ou não", insinua.

As descobertas despertam, em todo o caso, o interesse da comunidade científica internacional. Também interessado, o Instituto nacional do Patrimônio Cultural do Equador se prepara para financiar novos estudos, a partir deste ano. Estes deverão, enfim, revelar, o que esconde verdadeiramente Malqui-Machay.

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Russos estão prestes a alcançar lago “alienígena” na Antartida

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Após duas décadas de ensaios, pesquisadores russos vão iniciar a exploração do mais alienígena dos lagos terrestres. Contudo, a falta de contato com colegas americanos por seis dias deixa todos apreensivos. Poderia ter dado algo errado?

Não, não é a abertura de mais um episódio da série de televisão “Arquivo X”. Fato é que os cientistas estão no mais inóspito ambiente da Terra -o interior do continente antártico. E as águas que eles pretendem estudar ficam sob 3,6 km de gelo.

Estima-se que o lago Vostok, mantido em estado líquido pela pressão e pelo calor interno da Terra, esteja isolado do resto do planeta há pelo menos 14 milhões de anos.

Daí o interesse por ele: sabe-se lá que criaturas podem ter sobrevivido e prosperado num ambiente tão diferente.

Imagina-se que o lago tenha mais semelhança com o ambiente encontrado em Europa, uma das luas de Júpiter, do que com a Terra.

“É tentadora a analogia entre o Vostok e o oceano subsuperficial de Europa”, afirma Eduardo Janot Pacheco, astrônomo do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP.

Verificar o que existe vivo no Vostok é uma forma de especular sobre a possibilidade de haver vida em luas geladas como Europa. Isoladas da luz solar, as criaturas que habitam esses ambientes têm de viver dos poucos nutrientes que ali existem.

Os russos têm perfurado o gelo que cobre o Vostok há muito tempo. Mas em 1998, a cem metros de onde começa a água, eles foram obrigados a interromper o trabalho.

A preocupação da comunidade internacional era a de que a perfuração contaminasse o lago com microrganismos de fora, eliminando o potencial para descobertas e prejudicando o ecossistema que pode existir lá.

Só em 2010, após desenvolverem um novo protocolo de segurança, os russos puderam prosseguir.

Na semana passada, a equipe liderada por Valery Lukin reportou a colegas americanos, por e-mail, que estava nos 20 a 30 metros finais. O último contato entre russos e americanos aconteceu na segunda-feira.

Desde então, a equipe antártica tem mantido silêncio, o que gera apreensão no resto do mundo.

O QUE PODE DAR ERRADO

Há a pequena possibilidade de que a súbita liberação da pressão do lago gere um gêiser gigante. Além disso, os cientistas correm contra o tempo: as perfurações só podem ser feitas durante o verão antártico, que está no fim. No inverno, as temperaturas inviabilizam os trabalhos.

Tudo faz parte de um aprendizado que pode ser útil para explorar recantos inóspitos do Sistema Solar.

“Esse é um grande ensaio técnico para perfurar capas de gelo em Europa”, diz Cassio Leandro Barbosa, astrônomo da Univap (Universidade do Vale do Paraíba), em São José dos Campos (SP).

O interesse maior da pesquisa, no entanto, diz respeito à biologia e à evolução da vida. “As formas de vida que estão para ser descobertas se isolaram do mundo há 20 milhões de anos”, afirma. “De lá para cá, como evoluíram? Esses seres serão o paradigma a ser procurado em ambientes extraterrestres.”

SEPARAÇÃO DE CONTINENTES

Hoje, o lago Vostok está sob quase quatro quilômetros de gelo, no interior do continente antártico.

Mas cerca de 65 milhões de anos atrás, quando ele estava na superfície, a configuração dos continentes era bem diferente.

A Antártida estava conectada à Austrália e ainda tinha clima subtropical, com florestas e fauna expressiva.

A separação das duas massas de terra, com o gradual avanço da Antártida para o polo Sul, levou ao congelamento permanente. Estima-se que a capa de gelo tenha selado o conteúdo do lago Vostok entre 25 milhões e 14 milhões de anos atrás.

“Ou seja, as formas de vida lá existentes evoluíram de maneira independente há mais tempo do que o passado desde que nossos ancestrais desceram das árvores”, diz Eduardo Janot Pacheco, astrônomo da USP.

Dadas as atuais condições ambientais, a existência de criaturas multicelulares sofisticadas no interior do lago é altamente improvável. Imagina-se que ele seja um ambiente dos mais inóspitos, saturado em nitrogênio e oxigênio, com concentrações 50 vezes maiores do que a em lagos típicos da Terra.

Além disso, a falta de luz solar deve levar a uma baixa presença de nutrientes, que limitaria a evolução da vida. Com efeito, é o que torna tudo tão interessante.

De que maneiras os organismos teriam se adaptado a essas condições?

A regra é esperar o inesperado, segundo os cientistas. “Durante a escavação desse túnel de aproximadamente quatro quilômetros de comprimento, já haviam sido descobertos microrganismos, dos quais não sabemos nem mesmo a que reino pertencem”, afirma Janot.

Por isso, os russos se animam com a possibilidade de descobertas que podem mudar completamente o panorama da biologia, tal como é ensinada hoje nas escolas.

Entretanto, para isso ainda será preciso esperar.

Mesmo que os exploradores consigam atingir a água do lago nesta temporada, o recolhimento de amostra para análise só se dará em cerca de um ano.