Editorial do Estadão: O Supremo genuflexo

O demiurgo de Garanhuns não tem mais foro privilegiado, e no entanto foi tratado pela mais alta corte do País como se tivesse

O Supremo Tribunal Federal apequenou-se perante Lula da Silva. Num espetáculo indigno de uma Corte cuja função é ser obstáculo aos excessos do poder, a maioria de seus ministros aceitou prestar vassalagem ao chefão petista. O Supremo, em sua atual composição, reafirmou assim sua vocação de cidadela dos poderosos com contas a acertar com a Justiça.

O cidadão comum, aquele que se submete ao pacto democrático na presunção de que a Justiça criada por esse arranjo será igual para todos, há de se perguntar, depois das vergonhosas sessões de quarta e quinta-feira passadas, se ainda subsiste alguma instituição do Estado que não esteja subordinada ao patronato político – do qual Lula, a despeito da sua apregoada identidade com a gente comum, é um dos maiores expoentes.

O demiurgo de Garanhuns não tem mais foro privilegiado, e no entanto foi tratado no Supremo como se tivesse. Mereceu a deferência de ter seu caso apreciado antes de muitos outros, não por coincidência às vésperas da provável rejeição de seu derradeiro recurso no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região contra a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

Ou seja, o Supremo desmoralizou, numa só tacada, todo o bom trabalho de nove juízes – Sérgio Moro, que condenou Lula da Silva na 13.ª Vara Federal de Curitiba; os três desembargadores da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que confirmaram a condenação e aumentaram a sentença; e os cinco ministros da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negaram o habeas corpus preventivo pedido pela defesa de Lula.

Para atingir esse fim, inventou-se uma liminar que, na prática, tem efeito de salvo-conduto, pois impede a prisão de Lula até que o pedido de habeas corpus feito pela defesa seja efetivamente julgado pelo Supremo. Esse julgamento do mérito foi marcado para o dia 4 de abril, mas nada impede que algum ministro invente criativo expediente para adiar o desfecho do caso indefinidamente, como tem acontecido com frequência no Supremo. (Veja-se o que o ministro Fux está fazendo com o desavergonhado auxílio-moradia.) Nesse período, Lula da Silva ficaria livre.

Chegou-se a esse remendo porque o Supremo foi incapaz de iniciar a apreciação do habeas corpus, entretido que estava em um debate sobre se era o caso ou não de aceitar discutir o pedido da defesa – debate este que incluiu até uma menção do advogado de Lula a Luís XVI, exemplo, segundo ele, de vítima da “volúpia do encarceramento”. Quando ficou claro que a sessão seria encerrada sem a votação do habeas corpus, a despeito da urgência do caso – um dos ministros alegou cansaço, outro disse que tinha viagem marcada –, a defesa pediu a liminar, que acabou aceita. Estava dado o salvo-conduto para Lula, válido pelo menos enquanto durar o longo feriado do Supremo em respeito à Páscoa. Isso é que é espírito cristão.

Não à toa, a decisão foi festejada por gente do quilate do senador Renan Calheiros, contra quem correm 17 inquéritos no Supremo. “Nenhuma condenação sem prova sobreviverá ao controle da constitucionalidade e ao princípio da presunção da inocência. Viva a democracia! Viva o respeito à Constituição!”, escreveu o multiencalacrado senador no Twitter, sob a hashtag “Lula Livre”.

Nada mais simbólico. Outra vez, o Supremo Tribunal Federal, que em quatro anos de Operação Lava Jato não julgou nenhum dos implicados com foro privilegiado, enquanto os tribunais ordinários já contabilizam 123 sentenciados, demonstra sua incapacidade de fazer os poderosos pagarem por seus crimes. Não espanta o empenho de muita gente para adquirir o direito de ser julgado ali, ainda que seja por vias tortas, como Lula. Outros condenados pela Lava Jato, presumindo que o ex-presidente escapará mesmo da prisão, já se preparam para explorar essa brecha. Seria o festim da impunidade.

A genuflexão do Supremo diante de Lula fecha com chave de ouro uma semana vergonhosa na história dessa Corte, que incluiu uma infame manobra para manter o auxílio-moradia para todos os juízes. Quando a Corte constitucional atenta contra a própria Constituição, para proteger quem tem poder, o futuro é inevitavelmente sombrio. Os brasileiros honestos já temem pelo que virá.

O risco de virar Supremo Tribunal de Fancaria (STF)

Fancaria: trabalho grosseiro, feito à pressa, visando apenas a lucro; coisa malfeita. (Dicionário Online de Português)

Eles sempre dão um jeito. Citam uma decisão antiga daqui, um jurista erudito dali, comparam coisas distintas, socorrem-se de palavras desconhecidas por quem não é do ramo, e acabam fazendo o que querem. O que a maioria ocasional decide que é o certo.

Mas se você está disposto acompanhar no próximo dia 4 o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do pedido de habeas corpus de Lula para não ser preso, é bom saber que o pedido não deveria ser atendido. Que ele não poderia ser atendido. Que será uma aberração se for atendido.

Se ainda vale decisão do tribunal que ele não revogou, e que tão cedo poderá revogar, o pedido de habeas corpus simplesmente será negado. E Lula, imediatamente preso, caso o tribunal de Porto Alegre confirme sua decisão anterior.

Lula foi condenado pelo juiz Sérgio Moro, e depois pelos três juízes de Porto Alegre, a 12 anos e um mês de cadeia por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá. Hoje, deverá ser condenado outra vez pelo Tribunal de Porto Alegre.

Ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), Lula pediu por meio de habeas corpus a misericórdia de responder em liberdade pelo mal feito que ele jura por tudo no mundo jamais ter cometido sequer em sonho. Por unanimidade de votos, o STJ disse não ao pedido. E com base no quê?

Simples: com base em decisão tomada pelo Supremo há quase dois anos, e pela terceira vez consecutiva, de que réu condenado em segunda instância pode ir direto para o xilindró. É assim, por exemplo, em 193 dos 194 países que formam a Organização das Nações Unidas (ONU).

Aqui, em 70 dos últimos 77 anos, o direito penal brasileiro determinou que condenado fosse preso após a primeira ou segunda instância. É por isso que o Brasil tem 726.712 presos, mais da metade sem sentença definitiva, assinada embaixo pelo Supremo.

Com prisão provisória são cerca de 240 mil presos, segundo o jurista José Paulo Cavalcanti Filho. E com mandatos de prisão por cumprir, cerca de 500 mil. Serão soltos todos os que estão presos se o Supremo livrar Lula de ser preso? Ou apenas Lula não poderá ser preso?

A sessão do Supremo do dia 4 de abril se dará ainda sob a vigência da decisão que permite à segunda instância condenar e prender se quiser. Por mais que se possa discutir durante a sessão o fim da prisão em segunda instância, a sessão não se prestará para isso.

Nem poderia se prestar. Porque o Supremo ainda não acabou com a prisão em segunda instância. E se depender da ministra Cármen Lúcia, não reexaminará a questão até setembro, quando ela cederá a presidência do tribunal ao colega Dias Toffoli. O futuro a Deus pertence, ou ao Diabo.

E então? Como o Supremo na semana que vem dirá sim ao pedido de habeas corpus de Lula? A não ser que queira mudar de nome. Passar a ser chamado de Supremo Tribunal de Fancaria (STF). E para quê arriscar-se a tanto? Para estancar “a sangria” da Lava Jato? Porque é disso que se trata.

Foi o senador Romero Jucá, presidente do PMDB, quem, há dois anos, admitiu que era necessário “estancar a sangria” da Lava Jato “com o Supremo e tudo”. Com o Supremo, aí, entenda-se: com a ajuda dele. Pois é o que está em curso – às favas todos os escrúpulos.Com informações da Revista Veja.com

Ministros do STF terão reunião informal sobre condenação em 2ª instância

"Não fui eu. Celso de Mello é que achou conveniente", diz Cármen Lúcia sobre reunião entre ministros, que deverá debater prisão em 2ª instância

“Não fui eu. Celso de Mello é que achou conveniente”, diz Cármen Lúcia sobre reunião entre ministros, que deverá debater prisão em 2ª instância

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, confirmou que haverá uma reunião “não formal” entre os ministros do STF, provavelmente nesta terça-feira (20), mas não quis revelar detalhes sobre a pauta do encontro, que disse ter sido convocado por ideia do decano da Corte, ministro Celso de Mello, um dos principais defensores da revisão do entendimento sobre a prisão em segunda instância. “Não fui eu que convoquei a reunião. Celso de Mello achou conveniente conversar com os ministros”, afirmou.

Cármen também afirmou, nesta segunda-feira (19), que depende do ministro-relator Edson Fachin, e não dela, o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, no plenário da Corte.

“O Supremo examinará assim que o ministro Edson Fachin levar em mesa, ou na Segunda Turma ou ao plenário”, disse a ministra, em entrevista à rádio Itatiaia, de Minas Gerais. “O relator é o responsável por levar o processo e dizer a importância do processo”, acrescentou. “Quando o relator levar, o habeas corpus tem preferência constitucional, porque lida com liberdade.”

O STF vive um impasse sobre se condenados na segunda instância devem começar a cumprir pena de imediato, mesmo com recursos pendentes em cortes superiores e Cármen Lúcia, a quem cabe elaborar a pauta de julgamento em plenário, ainda não colocou o tema em discussão.

Na semana passada, ao negar mais um pedido da defesa de Lula para que seja concedido o habeas corpus do ex-presidente, Fachin disse que não deve levar o assunto ao plenário em mesa sem que seja pautado por Cármen Lúcia, pois a elaboração da pauta de julgamentos “recai sobre as elevadas atribuições da presidência deste tribunal”.

Fonte: Agência de Brasil