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Conflitos entre juízes sobre prisão de Lula escancaram insegurança jurídica

Decisões contraditórias de juízes põem em dúvida capacidade do Poder de dar respostas claras às demandas da sociedade. Para analistas, dia caótico teve “sucessão de equívocos”

RC Rodolfo Costa

via Correio Brasiliense

Cármen Lúcia evitou expor o STF e se limitou a emitir nota: “Justiça é impessoal” e “democracia é segura”(foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil )
A decisão do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a queda de braço que se estendeu ao longo de todo o dia entre a soltura e a manutenção da prisão do petista escancararam os conflitos entre as várias instâncias da Justiça brasileira. A confusão descortinou uma grave insegurança jurídica nos processos do Poder Judiciário.
A largada de Favreto na manhã de ontem foi contestada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13º Vara Criminal de Curitiba. A contrariedade do magistrado de primeira instância foi respaldada, no início da tarde, pelo relator do caso no TRF-4, desembargador João Pedro Gebran Neto, após encaminhamento do presidente do tribunal, Thompson Flores. Às 16h14, Favreto voltou a emitir uma nova sentença, pedindo novamente a liberdade de Lula. À noite, foi a vez de Thompson manter o entendimento pela continuidade da prisão.

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Na corrida desenfreada do Judiciário, ninguém saiu ganhando. Para o advogado criminalista Celso Vilardi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), houve erros de todas as partes. Em primeiro lugar, ele avalia como um equívoco a ordem de habeas corpus de Favreto. “Não é o caso de rever uma decisão que já se encontra sob jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF)”, analisou.

A decisão de Moro, de desrespeitar a ordem de um desembargador e da própria Polícia Federal ao não cumprir a soltura de Lula após a determinação de Favreto, também foi considerada um erro por Vilardi. Bem como os pareceres de Gebran e Thompson. “Quem tem competência é o plantonista. Foi um dia triste para o poder Judiciário brasileiro. Foi tudo errado, um show de horrores. O mais correto na minha posição é que a ministra Cármen Lúcia (presidente do STF) tivesse se manifestado por meio de reclamação”, ponderou.

Em meio ao caótico dia na Justiça brasileira, o STF optou por não se expor. Cármen Lúcia se limitou a emitir uma nota e não tomou qualquer decisão. Destacou que a “Justiça é impessoal” e que o Poder Judiciário tem “ritos e recursos próprios que devem ser respeitados”. Declarou que a “democracia brasileira é segura” e que os órgãos competentes do poder em cada região devem atuar para garantir que a resposta judicial seja oferecida com “rapidez e sem quebra da hierarquia”. “Com rigor absoluto no cumprimento das normas vigentes”, disse.

Na falta de uma decisão do STF, há quem aponte que o maior equívoco foi cometido por Favreto. Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, a decisão do desembargador fere a súmula 122 do TRF-4. A norma estabelece que a execução da pena deve ser cumprida após encerrada a jurisdição criminal de segundo grau. Como Lula foi condenado após o esgotamento dos recursos cabíveis pela 8ª turma, ela entende que o desembargador não poderia adotar a sentença monocraticamente.

Abuso de poder

“Só se aceita habeas corpus para soltar uma pessoa se houver abuso de poder ou ilegalidade, o que não é o caso. Já foram exauridos todos os recursos do ponto de vista processual. Do ponto de vista do mérito, não há nada que possa ser colocado como ilegalidade ou abuso de poder”, sustentou Vera. O argumento de Favreto, de que seria pré-candidato à Presidência, é considerado frágil por ela. “Isso não tem o menor cabimento no âmbito de uma ação penal, por ser uma questão que remete à Justiça eleitoral, e não à penal”, advertiu.

Além de ferir a súmula do próprio TRF-4, Chemin alerta que Favreto descumpriu a resolução 71 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A matéria prevê que o plantão do Judiciário não se destina à reiteração de pedido já apreciado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior. “Significa que não se pode resolver uma questão que já foi examinada e reexaminada pelo colegiado do TRF-4 no plantão judicial”, justificou.