03/11/2010 – 22h13
ELISA SANTAFE
DA FRANCE PRESSE, EM MADRI
O papa Bento 16 leva seu combate mundial ao aborto e ao casamento entre homossexuais para a Espanha, um antigo bastião católico cujo governo tem aprovado leis condenadas pela Igreja.
No próximo fim de semana, o papa visita Santiago de Compostela e Barcelona, quatro meses depois da entrada em vigor da lei de ampliação do aborto, que o Vaticano tachou de "insensata".
A viagem é vista por líderes eclesiásticos como uma defesa a suas crenças mais sagradas, as quais consideram ter se tornado alvo de uma legislação socialmente progressista.
A nova lei do aborto teria permitido a Gemma Botifoll, de 30 anos, interromper a gravidez na Espanha, mas em 2008, quando constatou-se que o feto que ela gerava tinha má formações graves aos oito meses e meio de gestação, teve que viajar a Rennes (França) para submeter-se ao procedimento.
"Na Espanha, me senti muito mal, sem o apoio de ninguém", relatou Gemma à AFP, destacando que encontrou a solução no país vizinho "fazendo uma busca no Google".
Pela lei ela não poderia abortar na Espanha, onde desde julho é possível interromper a gravidez sem limite de tempo se for detectada uma doença grave e incurável no feto, livremente até a 14ª semana e em casos excepcionais até a 22ª.
A lei do aborto é a última de uma série de medidas sociais aprovadas nos últimos seis anos no Parlamento pelo governo.
REFERÊNCIA
O executivo socialista do primeiro-ministro Luiz Rodríguez Zapatero as considera um dos principais eixos de sua política –pelo menos antes da crise– e com elas se destacou como um dos países mais avançados na Europa nesta questão, sobretudo depois de aprovada a lei de casamento entre homossexuais.
"Nos últimos anos a Espanha se tornou uma referência de igualdade, não só na Europa, mas no mundo inteiro", declarou à AFP Pedro Zerolo, secretário de Movimentos Sociais e Relações com as ONGs do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Zapatero.
Depois da Holanda e da Bélgica, a Espanha se tornou, em 2005, o terceiro país europeu a aprovar os casamentos entre homossexuais e, desde então, sete países mais se somaram a estes, entre os quais Argentina, Portugal, além da capital mexicana.
Zapatero fez "uma aposta em um conceito integrador de cidadania", assegurou Zerolo, que se casou com seu companheiro logo após a aprovação da lei.
"Agora somos referência em igualdade"; "ao sair da Espanha se deixa manifesto o esforço que se fez", disse Zerolo, lembrando que nos últimos cinco anos foram celebrados 20.000 casamentos gays.
REPÚDIO
A lei do casamento homossexual e a do aborto provocaram o repúdio do Vaticano e, na Espanha, entre os setores mais conservadores chefiados pela Igreja Católica –que, nos últimos meses, protagonizou várias manifestações maciças em Madri – e o Partido Popular (PP).
O PP contestou as duas leis perante o Tribunal Constitucional e seu líder, Mariano Rajoy, insistiu recentemente em que as reformaria se voltasse ao poder.
Tudo isto em um Estado laico, segundo a Constituição, mas também com forte tradição católica, embora menos praticante: 73% da população se declara católica, contra 80% oito anos atrás, e só 14% dizem ir à missa todos os domingos.
Mas apesar do repúdio dos setores mais conservadores da população e das tensões entre os bispos espanhóis e o executivo socialista, este tem tentado sempre cultivar as melhores relações com o Vaticano.
Recentemente, anunciou que adiaria um projeto de lei que se prenuncia espinhoso nas relações com a hierarquia católica: a lei de liberdade religiosa.
Esta previa, entre outras coisas, retirar os crucifixos dos locais públicos, não celebrar funerais institucionais católicos e que o chefe de governo não preste juramento no cargo perante um crucifixo.
O adiamento se deve a "motivos estratégicos e razões eleitorais", explicou o teólogo Juan José Tamayo, para quem o governo paralisou a lei porque "considera que não agradaria ao papa", razão pela qual "se deixa levar pela agenda do Vaticano".
Tamayo, que considera que o governo Zapatero concedeu "benefícios" à Igreja espanhola estes anos, acredita que o executivo "chegou à conclusão de que tem muitas frentes abertas", como o aumento da oposição nas pesquisas de opinião e o repúdio dos sindicatos às medidas anticrise, "e não quer jogar mais lenha na fogueira".