Categorias
Artigos

Senador da República Roberto Requião escreve ao Genizah. Assunto: Comércio da fé na TV

 

Senador da Republica atende ao anseio dos blogueiros apologéticos e responde ao desafio feito nas redes sociais pelo fim do vergonhoso comércio religioso na TV aberta.

Roberto Requião foi três vezes governador do Paraná e prefeito de Curitiba. Hoje é Senador da República, Presidente da Rep. Bras. no Parlasul e Presidente da Comissão de Educação e titular das Comissões de Constituição e Justiça e de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Requião enviou na última terça-feira (8/01/13) a seguinte carta ao Genizah:

Danilo Fernandes, que em seu perfil no twitter identifica-se como “cristão protestante e blogueiro diletante da arte de aporrinhar falsos profetas e vendilhões da fé”, diz que está orando “para que surja um político que tenha gana de passar uma lei acabando com o comércio religioso na TV”.

Eu topo, desde que o povo evangélico e católico, e os bons e sinceros cristãos protestantes como o Danilo, também dêem suporte á ideia.

Na verdade, o comércio religioso na TV, de que crença seja, incomoda-me há bom tempo. Nos dois últimos períodos em que governei Paraná, entre 2003 e 2010, era constantemente solicitado a ceder o espaço frontal do Palácio Iguaçu a grandes “happenings” desta ou daquela denominação evangélica. No centro das prédicas, a convocação dos fiéis para que pagassem os espaços que as denominações haviam comprado em emissoras de televisão.

Para que o apelo tivesse maior impacto, o pedido de dinheiro era entremeado de uma série de “milagres”. Cegos que recuperavam a visão, entrevados que, de repente, andavam lepidamente, vítimas de câncer, lombalgia ou espinhela caída que se viam livres da doença e dos incômodos.

Como cristão, não desfaço dos milagres, da intervenção sobrenatural, do incrível poder da fé. O que não posso aceitar são esses espetáculos de cura, essa evocação dos poderes de Deus como se eles fossem a mais banal das banalidades. Penso que a intervenção dos Conselhos Regionais e do Conselho Nacional de Medicina, dos Ministérios Públicos Estaduais e do Ministério Público Federal, ou para atestar a seriedade dos portentos ou para desmascarar os charlatães, seria não apenas desejável e sim obrigatória.

Não estou propondo a intervenção da ciência, do Estado, da Justiça nos assuntos da religião. Quero apenas que se separe o joio do trigo, como ensinam as Escrituras. O paralelo que o Danilo Fernandes faz entre os vendilhões do Templo com os vendilhões da fé, é irretocável.

Como também parece inevitável o paralelo entre o comércio da fé hoje e o comércio da fé nos estertores da Idade Média. A venda de indulgências, por exemplo, que provoca os protestos pioneiros do inglês John Wycliffe, dos tchecos Jan Huss e Jerônimo de Praga, antecessores das reformas propostas pelas 95 teses de Lutero, equipara-se, hoje, à venda da cura, da felicidade, da prosperidade, da salvação eterna, desde que você contribua financeiramente com as igrejas e os pastores televisivos.

Três vezes governador do Paraná e prefeito de Curitiba estabeleci com as igrejas evangélicas e católica parcerias magníficas, de grande resultados. Meus dois grandes companheiros em inúmeras iniciativas sociais eram, de um lado, o pastor Pimentel, da Assembleia de Deus e, de outro, o bispo católico Dom Agostinho Sartori. Quer no Governo, quer na Prefeitura testemunhei o papel essencial, vital que as igrejas desempenham na promoção humana, na solidariedade, na transformação das pessoas.

Abri a televisão pública estadual às igrejas, para que elas propagassem a fé e difundissem conceitos éticos e morais. Organizei festivais de música gospel, com a participação de todas as denominações religiosas. Procurei deixar bem clara a minha posição de respeito às igrejas e ao papel que desempenham na construção do processo civilizatório, na formação da cidadania.

Nada disso vejo na “igreja da televisão”. Elas pedem, mas não dão; elas prometem prosperidade, riqueza, desde que você pague. Com seu enorme poder de comunicação, não lideram campanhas em favor dos mais pobres, por hospitais, creches, pela redução da mortalidade materno-infantil, pela erradicação do analfabetismo, pela frequência escolar, contra o trabalhão escravo e contra a exploração da mão-de-obra infantil.

Quando lançou suas teses em 1517, Lutero dizia que cada protestante era “um pouco hussita”, lembrando o assassinato na fogueira do padre tcheco um século antes, condenado ao martírio por sua radical oposição ao comércio da fé. Sejamos também “um pouco luteranos” na firme oposição aos vendilhões de fé.

Sim, Danilo Fernandes, concordo, é preciso que isso tenha um paradeiro. No entanto, pergunto: seria necessário a coerção de uma lei para impedir o comércio da fé? Será que a educação, o esclarecimento e a argumentação, aos moldes dos reformistas dos séculos XIV e XV, não seriam o caminho indicado para combater essa novel simonia?

Quando fui prefeito de Curitiba (1986-89), de comum acordo com a Associação Inter-Religiosa de Educação, a Assintec, que reúne protestantes, católicos, mulçumanos, judeus, budistas e tantos outros credos, restabeleci o ensino religioso nas escolas municipais da cidade. Estava convencido, e continuo seguro, de que o ensino religioso (nada a ver com proselitismo) desempenha um papel importantíssimo na formação de crianças e jovens.

Não seria essa, caro Danilo, uma das frentes de combate para vencer a terrível heresia da mercantilização da fé?

Roberto Requião

Senador da República