Mais informações sobre o papiro "Mulher de Jesus"

Papiro do século 4º menciona "mulher de Jesus"

DO EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"

Atualizado às 21h19.

À primeira vista, parece que o enredo do best-seller "O Código da Vinci" virou fato: um fragmento de papiro que provavelmente data do ano 350 da Era Cristã retrata Jesus usando a expressão "minha mulher". É bom ir devagar com o andor, contudo.

Segundo a historiadora da Universidade Harvard (EUA) responsável pela análise do texto antigo, que ela apelidou de "Evangelho da Mulher de Jesus", o fragmento não traz informações confiáveis sobre a figura histórica de Cristo, já que a narrativa quase certamente teria sido composta séculos depois da morte dele.

O que o texto mostra, no entanto, é o intenso debate sobre os prós e contras do sexo e do casamento nos primeiros séculos do cristianismo -uma controvérsia que ainda deixa marcas em temas como o celibato dos padres ou a ordenação de mulheres, por exemplo.

Editoria de arte/Folhapress

O "Evangelho da Mulher de Jesus" vem a público com uma aura de mistério, além da inevitável polêmica que o tema do fragmento traz.

Sua procedência exata é desconhecida. Sabe-se apenas que, em 2010, um colecionador de antiguidades (cuja identidade, por enquanto, está sendo preservada) mandou um e-mail para Karen King, especialista em cristianismo antigo da Escola de Teologia de Harvard.

O colecionador queria ajuda para traduzir o fragmento -uma única folha de papiro, medindo 8 cm de largura por 4 cm de comprimento. O texto foi escrito em copta, idioma descendente da língua dos faraós que era falado pela maioria dos egípcios na época do Império Romano (e ainda é usado na liturgia dos cristãos do Egito).

No ano passado, o dono do papiro concordou em deixá-lo com King. A pesquisadora pediu a ajuda de outros especialistas em papiros e na língua copta e acabou por decifrar o que restou do texto (veja quadro acima). A descoberta foi anunciada pelo jornal "New York Times".

Os fragmentos dizem, entre outras coisas, "Maria [Madalena?] é digna disso" e, logo depois da menção a "minha esposa", "ela será capaz de ser minha discípula" e "eu habito com ela".

Dá para esperar um debate acadêmico feroz em torno do manuscrito. Entre os especialistas que revisaram o artigo da revista especializada "The Harvard Theological Review" no qual está a análise do manuscrito, dois chegaram a questionar a autenticidade do material.

Outros especialistas em papiros, no entanto, ressaltaram que o padrão de manchas e fibras marcadas por tinta, já esmaecidas, seria difícil de forjar. A datação do texto, por ora, é indireta, baseada no estilo da escrita.

Já se sabe há tempos que o Egito foi palco de uma imensa diversidade de ideias nos primeiros séculos do cristianismo. Prova disso é a "biblioteca" de textos cristãos de Nag Hammadi, descoberta em 1945, na qual predominam os chamados textos gnósticos -corrente de pensamento para a qual o mundo físico é obra de divindades malévolas, e não de Deus.

Vem de Nag Hammadi o Evangelho de Filipe, também em fragmentos, mas que mencionaria Jesus beijando Maria Madalena, que a cultura pop atual vê como mulher de Cristo.

Durante os primeiros séculos depois de Jesus, os cristãos estavam divididos a respeito de como lidar com o sexo e o casamento. Uns, como o apóstolo Paulo, defendiam que o celibato era a melhor opção, embora não condenassem o casamento. Outros diziam que os melhores candidatos a líderes da igreja eram os homens casados. E havia ainda os que condenavam todo tipo de contato sexual. No caso de Jesus, o mais provável é que ele tenha mesmo sido solteiro. (REINALDO JOSÉ LOPES)

Papiro que cita "mulher de Jesus" causa controvérsia entre especialistas

 

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
FERNANDO MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O papiro do século 4º d.C. que contém uma referência à suposta "mulher de Jesus", revelado ontem, já está causando um movimentado debate entre os especialistas, como era de se esperar.

Apresentado nesta semana em Roma, numa reunião de estudiosos da língua copta (idioma extinto do Egito no qual o fragmento de texto está escrito), o papiro deixou dúvidas sobre sua autenticidade.

"Eu diria que é uma fraude. A caligrafia não parece autêntica", declarou Alin Siciu, papirologista da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, à agência de notícias Associated Press.

Especialistas também questionaram a espessura da tinta (parece que as letras foram reforçadas repetidas vezes) e o aspecto excessivamente "limpo" do papiro.

Ninguém pôs em dúvida, no entanto, a integridade da historiadora Karen King, da Universidade Harvard, responsável por trazer a público o texto depois de tê-lo recebido das mãos de um colecionador particular, que não quer ser identificado.

King decidiu publicar o fragmento depois que dois outros especialistas em papiros antigos consideraram que o fragmento provavelmente era verdadeiro.

"É difícil ter certeza sobre a autenticidade agora, mas ela tem excelente reputação e foi muito cuidadosa", disse à Folha André Chevitarese, especialista em cristianismo antigo do Instituto de História da UFRJ e do Departamento de História da Unicamp.

A pesquisadora de Harvard diz que pretende submeter a tinta do fragmento a análises químicas capazes de determinar a sua idade.

O grande consenso entre os especialistas, no entanto, é que o texto, se for autêntico, não diz respeito ao Jesus histórico, por ter sido escrito muito depois da morte de Cristo, "provavelmente no século 3º", diz Chevitarese –a data da composição inicial seria anterior à da cópia preservada parcialmente.

"Na literatura posterior ao primeiro século da Era Cristã, florescem as mais aberrantes interpretações de Jesus, especialmente nos aspectos em torno dos quais não há dados claros nos livros canônicos [os da Bíblia]", explica Flávio Schmitt, professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS).

A grande diversidade de visões teológicas nas comunidades cristãs dessa época significa que, enquanto algumas defendiam a supremacia dos homens e o celibato, outras incluíam a participação feminina –e o modelo disso podia ser a proximidade entre Jesus e Maria Madalena.

Para Chevitarese, na raiz dessa ideia estava o papel importante das mulheres no ministério original de Jesus, embora não haja evidências de que ele tivesse uma esposa.

A CNBB e a Arquidiocese de São Paulo foram procuradas para comentar o tema, mas não se pronunciaram.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress