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Populismo espiritual

O populista espiritual usa o púlpito para transmitir aos crentes um evangelho carrancudo, santarrão, pesado, difícil de carregar nos ombros.

Populismo espiritual

Podemos chamar de “populismo espiritual” a prática de espiritualizar tudo para exibir uma suposta piedade cristã, a fim de se autoafirmar e de angariar a simpatia da comunidade evangélica.

O termo “populismo”, quando empregado na ciência política, define a atuação de líderes demagogos, geralmente carismáticos, que dizem o que o povo quer ouvir, sem compromisso com a verdade, com as contas públicas nem com a ética governamental.

Evitando a mediação das instituições políticas, assim como a própria submissão à ordem jurídica, o político populista busca estabelecer um canal direto com a população por meio de discurso fácil, assistencialismo, apelo ao ressentimento e exploração das mazelas sociais, o que costumar “dar certo” em termos eleitorais, mas muito errado no que toca ao desenvolvimento de uma sociedade, e por uma razão simples: as promessas de um populista não têm fundamento.

Por sua vez, a espiritualização consiste num tipo de visão de mundo em que todos os eventos são explicáveis espiritualmente, desde a inflação até uma enfermidade crônica, passando pela falência da empresa ou um namoro complicado. Nessa concepção, todas as coisas tornam-se passíveis de uma avaliação “espiritual”, a qual pode indicar peremptoriamente a presença de “espíritos territoriais”, a possessão demoníaca – que existe, mas não explica tudo – ou a falta de fé.

À semelhança de Eva, que pôs a culpa na serpente, quem vive a espiritualizar todas as coisas terceiriza responsabilidades. A causa do problema sempre é vista como fruto da batalha espiritual, sem se atentar para aspectos morais, sociais, econômicos, ideológicos, axiológicos, culturais ou educacionais. Frequentemente a causa espiritual do problema reside mesmo na falta de discernimento de quem tudo espiritualiza.

Juntando, então, o populismo com a espiritualização, tem-se a figura do populista espiritual, verdadeiro entrave à maturidade de uma igreja, ao testemunho cristão e à cultura cristã.

A partir de uma teologia equivocada, de um conhecimento bíblico precário e de uma cosmovisão dualista, o populista espiritual não consegue entabular um diálogo sem citar um versículo bíblico, vê demônio alojado em todo lugar, negligencia a leitura de livros que poderiam ajudá-lo, despreza o estudo, tem prazer na divulgação da própria espiritualidade e exige que todo juízo de valor seja precedido de um relatório do que a pessoa produziu “no Reino de Deus”. Ele é muito santo, ele é muito bom, ele é muito espiritual, ele ouve a voz de Deus diariamente, ele conhece como ninguém o mundo espiritual, ele dá “bom dia” ao Espírito Santo, ele revela mistérios, e seu grito “na Terra” é um verdadeiro espanto.

O populista espiritual é muito chato, pois é um censor do pensamento alheio. Se não quiser se aborrecer, não leia perto dele um poema ou letra de música “do mundo”, e, se ele for arminiano pentecostal, não cite um calvinista cessacionista que tenha dito alguma coisa válida – ele vai te censurar duramente, porque pensa ter nas mãos a chave da verdade doutrinária e teológica, ainda que ele mesmo seja um profundo ignorante.

O populista espiritual entende que a suficiência das Escrituras significa que ele não pode ler nada mais que a Bíblia, quando, na realidade, a suficiência das Escrituras nos diz que é impossível ser salvo senão pela graça, mediante a fé no sacrifício vicário e expiatório de Jesus. De forma muito ignorante e alijada de toda sabedoria, o populista espiritual propala a falsa tese de que todas as suas proposições doutrinárias são fruto da leitura individual que faz da Bíblia, sem ter a mínima noção de que é também herdeiro de séculos de história da Igreja – embora demonstre administrar muito mal o patrimônio que recebeu.

O populista espiritual usa o púlpito para transmitir aos crentes um evangelho carrancudo, santarrão, pesado, difícil de carregar nos ombros, mas ao mesmo tempo é ele quem dedica o culto ao não convertido como se o centro das atenções devesse ser o convidado, e não a Pessoa de Cristo. O resultado disso é que para os de fora o evangelho é macio, enquanto para os de dentro o evangelho é como uma bola de chumbo segurando o pé.

Não há possibilidade de crescimento espiritual se a percepção do mundo e da Bíblia for tão bisonha como aquela sustentada pelo populista espiritual. Para afastar esse vício, porém, é preciso começar seguindo o protocolo: diagnosticando-o de modo claro e objetivo, a fim de que a igreja possa discernir quando estiver diante dos sintomas.

Alex Esteves

Ministro do Evangelho na Assembleia de Deus em Salvador/BA. Membro do Conselho de Educação e Cultura da CONFRAMADEB. Bacharel em Direito. Casado e pai de três filhos.