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Atos profeticos e feitiçaria gospel

Fonte: Genizah

Por Marcelo Lemos

A pergunta que responderemos hoje, em nossa série Doutor Bíblia Responde, poderá nos levar á fúria dos “evangélicos” de nosso tempo. Nosso leitor, André Rodrigues, nos envia a seguinte questão:

“Olá. Gostaria de saber o que são, na verdade, os atos proféticos tão praticados atualmente nas igrejas, e quais as relações (se é que têm relação) com os atos proféticos do Velho Testamento…”.

André, vou responder de modo curto e grosso, para depois expandir mais a resposta. Então, que os “evangélicos” segurem o rojão:

O que são os atos proféticos praticados em (muitas) igrejas evangélicas hoje? São trabalhos de macumbaria, travestidos como mensagem do Evangelho, e roupagem cristã judaizante. Ato profético é feitiçaria gospel!

Qual a relação de tais atos proféticos com os atos proféticos do Antigo Testamento? Não há qualquer relação, pois no Antigo Testamento não havia atos proféticos, pelo menos, não nas configurações neopentecostais.

ANATOMIA DOS ATOS PROFÉTICOS NEOPENTECOSTAIS

Boa parte da Igreja Evangélica de nossos dias foi invadida por práticas pagãs, as quais se enraizaram tão fortemente na mente e no coração das pessoas, que estou convencido de que frequentar uma Igreja Romana seria, anos luz, mais saudável. Claro, refiro-me, somente, as Igrejas Evangélicas que seguem tais práticas. Infelizmente, são muitas; talvez, a maioria delas.

Em ditas “igrejas”, o pastor virou xamã, revestindo-se da mesma mística, e dos mesmos poderes, que antes eram propriedade dos feiticeiros das casas de macumba. Os crentes, assim como os que buscam os terreiros, transformaram-se numa multidão de adoradores mercenários, a procura de um “cristo talismã”, que lhes desamarre os caminhos.

Mas, ainda precisamos relacionar os “atos proféticos” com os trabalhos de macumbaria. Coisa fácil de se fazer. Basta compararmos as duas anatomias. Um trabalho de macumba nada mais é que o homem valendo-se de ritos, e de objetos, a fim de manipular a ação da Divindade (ou das divindades, dependendo do caso).

Jostein Gaarder, na obra “O Livro das Religiões” (Cia. Das Letras), nos fornece uma descrição muito valiosa sobre o que seria a “magia”:

… o ser humano que se vale de ritos mágicos, ele está tentando coagir as forças e potencias a obedecer à sua ordem – que com frequência consiste em atingir finalidades concretas. Desde que os rituais mágicos sejam realizados corretamente, o mago acredita que os resultados desejados decerto ocorrerão, por uma questão de lógica”.

Se você trocar “mago” por “pastor”, “apóstolo”, ou mesmo “levita”, obterá um retrato fiel da espiritualidade ‘evangélica’ alimentada por muitas pessoas. Atos proféticos, e pontos de contato (como sabonetes, chaves, e rosas ungidas), possuem a mesma utilidade dos ritos e objetos utilizados em rituais de magia.

Pode ser que alguém nos imagine exagerando, então, vamos pedir a opinião do ‘Paipóstolo’ Rene Terra Nova, entusiasta e incentivador de “atos proféticos”:

Mas, o que é um ato profético? É uma expressão, uma atitude visível da Igreja que tem uma referência e um respaldo no mundo espiritual. Digo que o ato profético é uma mensagem enviada ao reino do espírito que ratifica a ação da fé e da Palavra” (Atos proféticos, comando de Deus ou invenção humana?, MIR).

Mensagens enviada ao “mundo do espírito”, a fim de que o “pastor” e o “crente” consigam conquistar alguma coisa desejada no “mundo físico”. Ato profético, portanto, é um meio do homem manipular o mundo espiritual, inclusive a ação dos demônios:

Se conhecermos a potencialidade da cobertura espiritual, impediremos que o diabo entre em nossas fronteiras, migre pelas bre chas ou assalte pelas arestas. Os atos proféticos são uma ferramenta de Deus para impedir que sejamos apanhados de surpresa. Na verdade, é uma chamada de Deus para não permitirmos que o diabo adentre no nosso arraial… A realização desses atos emite mensagem no mundo espiritual, imobilizando a atuação do diabo e desatando a ação da igreja.”(Idem).

Em outras palavras, o pastor assumiu o lugar do feiticeiro, especializando-se em manipular as forças espirituais a seu favor. Seu suposto poder é tão grande, que inventou também a Cobertura Espiritual, com o que ameça os rebeldes – os que lhes questiona – de serem amaldiçoados por Deus. Os macumbeiros mais poderosos hoje, estão em cargos de liderança nas ditas Igrejas Evangélicas.

E OS ATOS PROFÉTICOS BÍBLICOS?

Não há atos proféticos na Bíblia, nem mesmo no Velho Testamento. Vamos recordar a definição do xamã gospel Rene Terranova: “Digo que o ato profético é uma mensagem enviada ao reino do espírito que ratifica a ação da fé e da Palavra!”. Em que lugar das Escrituras lemos sobre patricarcas, profétas ou apóstolos realizando atos que eram “mensagens enviadas ao reino do espírito”? Em lugar algum!

O que esses falsários, sabios analfabetos em exegese, fazem, é sequestrar profecias bíblicas, deturpá-las de seu sentido natural e Evangélico, a fim encaixá-las em seus manuais de feitiçaria. Terranova apresenta sua primeira “prova” de que atos proféticos são bíblicos, valendo-se de Genesis 3.15:

Você sabia que em Gênesis 3, quando Adão e Eva se esconderam atrás das folhas de figueira, Deus estava apontando para a cruz?” (Idem).

Todo cristão que já foi a Escola Dominical sabe que Genesis 3.15 aponta para a Cruz de Cristo; Terranova não fala qualquer novidade aqui. Mas, que Genesis 3 tem de ato profético? Se um ato profético é uma “mensagem enviada ao mundo do espírito”, onde encontramos tal coisa no texto de Genesis 3, ou em qualquer outro texto inspirado pelo Espírito Santo?

O que encontramos em Genesis 3 não é um ato profético, não é um ritual de manipulação do mundo espiritual, mas uma tipologia; ou seja, um evento histórico que simbolizava a Obra de Cristo. Seu objetivo não era manipular o mundo espiritual, como ocorre nos atos proféticos, mas sim ensinar o povo de Israel sobre a realidade que estava por vir: Cristo!

Por esse motivo o Novo Testamento chama o Velho de “sombra”, pois é composto de eventos históricos, e da ritualística da Lei, que simbolizavam a realidade futura, feita presente no tempo na pessoa do Cristo: “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombra das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Colossenses 2.16,17).

De modo que, os simbos do Antigo Testamento não eram atos proféticos que enviavam mensagens ao “mundo do espírito”, mas sim, símbolos que transmitiam mensagens aos homens, visando ensiná-los na Verdade.

Ainda mais ridícula é a tentativa de identificar atos proféticos no Novo Testamento. Sobre isso Terranova ensina: “A pregação do Evangelho, o batismo nas águas, a ceia do Senhor, a unção com óleo, o dízimo e a oferta são atos proféticos que serão realizados pela igreja, até que o Messias volte”.

Ora, desde quando enviamos mensagens ao mundo do espírito quando comemos do Corpo e do Sangue de Cristo? Desde quando enviamos mensagens ao mundo do espírito quanto somos conduzidos as águas do Batismo? Qual lugar da Escritura ensina tal insanidade? O ensino bíblico sobre a Ceia, por exemplo, é que a mesma consiste em um serviço de adoção a Deus (Liturgia), e uma proclamação publica (feita aos homens!) da mensagem do Evangelho: “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha!” (I Cor. 11.26).

Ainda que os seres celestes, de fato, nos assistam na trajetória cristã, inclusive em nossos serviços liturgicos (I Cor. 4.9; 11.10); o Culto Público é prestado a Deus, e somente a Ele; transformar o Culto em uma mensagem enviada ao “mundo do espírito”, a fim de manipular forças espirituais, é paganizar a fé cristã! A simbologia liturgica do cristianismo, em boa parte perdida no pós-puritanismo, não nos coloca em contato com o mundo dos espíritos, mas nos ensina sobre a realidade escatológica por vir:

“O culto, portanto, é uma assembleia de antecipação escatológica. Vejam que Cristo lhe dá esta dimensão quando diz, na instituição da Santa Ceia, substituta da Páscoa judaica: "Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela (a Páscoa) se cumpra no reino de Deus" (Lc 22.16). Toda vez, pois, que se celebra a Santa Ceia o quadro simbólico do culto sacrificial se repete e uma antevisão escatológica se realiza” (Rev. Onézio Figueiredo, citado em Conta-gotas de sabedoria)

O que a simbologia bíblica reflete é uma pedagogia divina, e não um ritual de magia; porém, os xamãs evangélicos querem deturpar até a pedagogia de Cristo. Como todo leitor das Escrituras há de saber, Jesus sempre fez uso de parábolas e ilustrações para transmitir seus ensinamentos; para os feiticeiros evangélicos, o que Jesus fazia era “atos proféticos”. Com a palavra, Rene Terranova:

“Jesus utilizou-se de muitas figuras do reino físico para ilustrar mensagens alusivas ao reino do espírito. Quando disse: destruirei esse templo e em três dias o reconstruirei, Ele falava numa linguagem profética (Jo. 2:19). As pessoas ao ouvirem-no olhavam para um templo físico, enquanto o Mestre aludia-se ao espiritual. Eles diziam: como o Senhor fará tal feito em três dias se nossos pais levaram 40 anos constru indo esse templo?”.

Observem, apesar de sua fixação pelo tal “reino do espírito”, Terranova não é completo ignorante em exegese. De fato, Jesus se valia de elementos do mundo físico para ilustrar verdades espirituais. Até aqui nada a acrescentar. O que destoa o discurso mágico dos neopentecostais, é alegar (ou mesmo insinuar) que as parábolas utilizadas por Jesus eram “atos proféticos”, os quais são “mensagens enviadas ao mundo do espírito”. Uma parábola é o que uma parábola sempre foi: um método didático, que, obviamente, objetiva ensinar aos homens!

Quando Jesus quis enviar “mensagem” ao “reino do espírito”, Ele não fez uso de parábolas, nem de quaisquer outra classe de figuras, simplesmente ordenou Sua vontade:

“E andava pastando diante deles uma manada de porcos. E os demônios rogaram-lhe, dizendo: Se nos expulsas, permite-nos que entremos naquela manada de porcos; e Ele lhes disse: Ide!” (Mateus 8.30-32).

Se Jesus seguisse o manual neopentecostal dos gedozistas, teria feito um ato profético! Talvez, imagino, tivesse ordenado aos discípulos criar um boneco de porco, a fim de arrebentá-lo a pauladas, com muita autoridade, enviando assim, uma mensagem ao “mundo do espírito”, ‘liberando’ (sic) o caminho de sua pregação. Ou, se o tempo fosse curto, ordenaria que todos levantassem a barra das saias, e saíssem urinando nas cercas do nefasto chiqueiro, demarcando território; coisa bem apropriada para Aquele que é o Leão (risos).

Todavia, o alvo das parábolas, apesar de didático, não era facilitar o entendimento das pessoas, mas sim, forçá-las a meditar mais seriamente nas realidades espirituais nelas inseridas (João 16.29,30). Um outro objetivo das parábolas de Jesus, normalmente negligenciado por pregadores populares, era impedir que os reprobados compreendessem a Mensagem do Evangelho:

“Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado… Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e vendo, vereis, mas não o percebereis!” (Mateus 13.11, 13-14).

Atos proféticos? Não, método didático, assim como as figuras e os rituais do Antigo Testamento.

Que são os atos proféticos feitos em muitas igrejas? São trabalhos de feitiçaria, com roupagem cristã e judaizante, cujo objetivo é manipular o reino dos espíritos, enviando-lhes comandos e ordens. Qual a relação com os atos proféticos bíblicos? Não há relação, pois a Bíblia não ensina nada sobre tal prática. Apesar da Bíblia estar repleta de simbologias, o alvo das mesmas, como vimos, é servir ao ensino dos crentes, e não manipular o mundo espiritual.

Um abraço André; que o Senhor nos ensine a caminhar na simplicidade do Evangelho.

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Obra com religiosos empilhados cria polêmica

 

Player: http://www.bbc.co.uk/portuguese/multimedia/2010/02/100219_escultura_religiao_video.shtml

Uma escultura que traz elementos religiosos católicos, judeus e muçulmanos foi vendida em três minutos na feira de arte contemporânea de Madri, Arco 2010, e se tornou a obra de arte mais polêmica do evento.

Chamada Stairway to Heaven (Escadaria para o Paraíso), a obra do artista espanhol Eugenio Merino retrata três homens rezando, um em cima do outro: um muçulmano, sobre ele um sacerdote católico e acima dos dois um rabino judeu, todos eles segurando livros sagrados das religiões dos demais – o Alcorão, a Bíblia e a Torá.

A obra foi vendida por 45 mil euros (R$ 112 mil) a um colecionador belga cuja identidade não foi divulgada. A escultura provocou a ira dos fiéis na Espanha e recebeu queixas oficiais.

Ao lado dela, aparece outra escultura que une uma metralhadora Uzi com uma menorá (candelabro ritual judaico).

A primeira reclamação saiu da embaixada de Israel em Madri. Em uma nota à direção da feira, o governo do Estado judaico diz que as peças “contêm elementos ofensivos para judeus, israelitas e certamente para outros.”

A embaixada classificou as esculturas como “uma mensagem cheia de preconceitos, estereótipos, provocações gratuitas e que fere a sensibilidade por muito que pretenda ser uma obra artística”.

A Conferência Episcopal da Espanha também reclamou. Através de comunicado à Arco os representantes do alto clero descreveram a peça com os religiosos como “provocação blasfema absolutamente desnecessária”.

‘Mentes fechadas’

Mas apesar das reclamações feitas logo no primeiro dia do evento, a galeria espanhola ADN, que representa o autor, não tem medo de represálias e afirma não entender a polêmica levantada pela escultura.

O proprietário da galeria, Miguel Ángel Sanchez, disse à BBC Brasil que a peça “deveria ser vista pelo lado positivo de um encontro religioso porque não há nada de ofensivo ali”.

Já o autor da escultura acha que o problema “não é a obra dele”, mas as interpretações que possam ser feitas “por mentes fechadas”.

“Cada um é livre para pensar o que quiser. Fiz uma peça que fala da unidade de religiões. Uma torre com as três grandes religiões que se juntam para chegar ao mesmo fim, que é Deus”, disse Merino à BBC Brasil.

“Mas se as mentes fechadas querem ver outra coisa, aceito a crítica. Só que eles também têm que aceitar meu trabalho”, afirmou o artista.

Merino admite, no entanto, que a segunda escultura, que mistura a arma com o candelabro, possa afetar a sensibilidade de alguns fiéis.

“É verdade que a metralhadora é uma Uzi, uma arma de Israel famosa nos conflitos com os palestinos. Mas a intenção foi reciclar os elementos para transformar em uma coisa que não mata. No fundo a peça trata da paz”, disse ele à BBC Brasil.

A feira de arte contemporânea de Madri, Arco, é uma das duas maiores do mundo e já está na 29ª edição. Neste ano, o evento termina no próximo dia 21, embora para o público fique aberta até o dia 19.

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Divórcio ainda é tabu nas igrejas evangélicas

 imagesdNa Igreja ainda persiste a ideia de que um crente que chega ao divórcio, seja por qual motivo for, sofreu não apenas uma derrota pessoal, mas, sobretudo, espiritual.

Volta e meia, Jesus Cristo, em seu ministério terreno, era confrontado com perguntas espinhosas. Uma delas, que até virou dito popular, dizia respeito à validade, ou não, de se pagar tributos ao imperador. “Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, a antológica sentença do Mestre, encerrou a questão. De outra feita, diante da mulher flagrada em adultério, os fariseus tentaram condenar o Filho de Deus por suas próprias palavras. Caso autorizasse o apedrejamento, estaria contrariando o perdão que tanto pregava; se optasse por liberar a pecadora, Jesus seria acusado de desobedecer a lei judaica. Simplesmente, ele fitou seus inquiridores e fez um desafio que ecoa até hoje: “Quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra”.

Contudo, uma das falas do Salvador continua rendendo discussões, interpretações desencontradas e inquietação. Instado pelos fariseus a responder se era lícito a um homem deixar sua mulher por qualquer motivo, Jesus foi enfático: segundo ele, apenas em caso de adultério o divórcio deveria seria admitido. O que passasse disso seria devido à “dureza do coração” das pessoas. No momento em que aumenta quantidade de casamentos dissolvidos, na sociedade em geral e dentro da Igreja, a fala de Cristo dá mesmo o que pensar. Hermenêutica à parte, muito mais casais crentes se divorciam hoje do que em tempos idos, quando a ideia de uma separação sequer era cogitada pelos evangélicos. E há argumentos bem razoáveis para sustentar qualquer posição nesta delicada seara da intimidade humana. A verdade é que o divórcio hoje faz parte da realidade da Igreja e cada vez mais gente procura maneiras não só para enfrentá-lo, como também para juntar os cacos e seguir em frente.

Se os levantamentos mostram que o número de divórcios no Brasil cresce a cada ano, ainda mais depois que mudanças na legislação facilitaram bastante a dissolução de um casamento, nas igrejas evangélicas o assunto ainda é tabu. Persiste a ideia de que um crente que chega ao divórcio, seja por qual motivo for, sofreu não apenas uma derrota pessoal, mas, sobretudo, espiritual. Embora não existam pesquisas quantitativas de divórcio entre os crentes, quem trabalha no pastoreio não tem dúvidas ao afirmar que os divórcios estão aumentando, não apenas entre membros de igreja, como também no meio da liderança. “Em minha experiência de vida pessoal e pastoral, nunca testemunhei tantos casos de divórcio no contexto de uma comunidade cristã”, atesta o pastor presbiteriano Ricardo Agreste, colunista de CRISTIANISMO HOJE e autor do livro Feito para durar, em que aborda a questão sob a ótica bíblica.

Apesar da célebre declaração “até que a morte os separe”, tradicionalmente proferida nos casamentos, o fato é que muitos outros motivos estão fazendo as pessoas dividir as trouxinhas e pular fora. Incompatibilidade de gênios, desejo pelo tal “espaço próprio”, desajustes financeiros, transtornos familiares ou simplesmente esgotamento do amor são alguns dos mais invocados. O que não legitima a decisão, na opinião do pastor Carlos Flávio Teixeira, da Igreja Adventista. “Apenas a hipótese de adultério pode justificar, aos olhos de Deus, a separação ou divórcio do cristão”, aponta o mestre em teologia, que também é advogado. No seu entender, embora a legislação e os costumes facilitem cada vez mais as coisas para quem quer botar ponto final no matrimônio, o Evangelho aponta noutra direção. “A lei dos homens dá opções que, para a lei de Deus, não podem ser admitidas”.

“SAÍDA DE EMERGÊNCIA”

Vinculado à Convenção Geral das Assembleias de Deus, o pastor Josué Gonçalves é terapeuta familiar e líder do Ministério Família Debaixo da Graça, em Bragança Paulista (SP). “Não podemos aceitar a banalização do casamento, que é uma instituição divina”, defende. “É equivocado incentivar uma separação como se fosse coisa normal e sem consequências”. Ele reconhece que cada caso deve ser analisado e tratado individualmente, para que injustiças não sejam cometidas, mas acredita que a questão deve ser vista de forma radical, como o fez Jesus. “Sabemos que nem sempre os problemas conjugais podem ser resolvidos. Mas o divórcio nunca deve ser visto como porta de saída, mas sim, como uma saída de emergência”.

É claro que, em se tratando de aspecto tão pessoal da vida, qualquer tribulação na vida conjugal causa dores e frustrações. O que, na opinião de Agreste, é difícil de administrar. “Uma das coisas que mais ouço de casais em crise no gabinete de aconselhamento é a recorrente frase: ‘Eu tenho o direito de ser feliz’”. Na sua ótica, isso é reflexo do hedonismo e do individualismo da cultura secular. E o divórcio sempre tem seu preço.Quando o gerente de marketing Leonildo Aires Durães, hoje com 37 anos, viu seu casamento de sete anos ruir, teve enorme sentimento de culpa. Criado dentro de um ambiente de conservadorismo evangélico, ele foi ao altar com apenas 18 anos – e achava que a palavra separação jamais faria parte de sua vida. “Recebi uma educação legalista na igreja Eu tinha o casamento como um ideal, algo para toda a vida”, conta.

Leonildo era membro da Igreja do Evangelho Quadrangular quando ocorreu a dissolução do casamento. O sofrimento era potencializado por sua idade, uma vez que, aos 25, já divorciado e com dois filhos, ele sentia-se um peixe fora d’água no ambiente evangélico. “O descasado na igreja chama a atenção de uma forma que não gostaria. Alguns se afastam, já que existe muita especulação sobre sua vida”. Passaram-se 12 anos do divórcio e Leonildo reestruturou sua vida, compondo nova família. Casado com Roberta, com quem tem uma filha, Lenildo agora congrega na Assembleia de Deus do Bom Retiro, em São Paulo. E preocupa-se com a situação: “A nova geração quer ser feliz. Se uma união não dá certo, basta procurar outro casamento, ou seja, a fila anda. Ninguém mais quer sustentar um matrimônio frustrante pelo resto da vida. O grande desafio para a Igreja, hoje, é lidar com essa mentalidade.”

DOR E SOLIDÃO

Com um livro-depoimento quase pronto sobre o assunto para ser lançado, a jornalista Virginia Martin conhece o peso de um divórcio quando se é evangélico. Ela permaneceu casada por dez anos e, a partir da separação, em 2004, experimentou um misto de dramas e emoções de que apenas ouvira falar nos bancos de igreja. “Um divórcio tem muitas consequências. Precisamos passar a lidar com problemas com filhos, sustento e a própria identidade pessoal – isso, sem falar na solidão”. Remédio, a bem da verdade, não existe para fazer a dor sumir, mas quem tem a Cristo sai em vantagem. É o que diz Virginia: “A maturidade espiritual é fundamental nessa hora, assim como apoio. Aprendi que amigos são anjos em forma de gente”. O livro, ainda sem título definido, teve origem a partir de um estudo preparado para a escola dominical da Primeira Igreja Batista de São Gonçalo, onde Virginia é membro com o casal de filhos.

Em seus escritos, ela conta sobre traição, mentiras e a ausência do ex-marido. “Preferi ficar sozinha a viver um casamento de fachada. A incompatibilidade tornou-se insuportável”. Segundo ela, ninguém deve ser condenado a permanecer numa relação que gera falência emocional. “Eu reconheço um Deus amoroso e consolador, paciente e perdoador, que concede a possibilidade de um novo contrato, uma nova aliança, abençoada por ele por sua graça”, continua. Embora não esteja, agora, em nenhum relacionamento, ela não exclui a possibilidade. “Imagine se todas as pessoas divorciadas, fora ou dentro da igreja, estivessem condenadas a permanecer sozinhas? Haveria uma epidemia de gente muito esquisita andando por aí”, brinca. “Há gente que foi tão infeliz e maltratada no casamento que sequer sabe o que significa uma verdadeira união”. Por outro lado, destaca, muitos casais em segundo matrimônio são uma bênção para si mesmos e para os outros. A intenção de Virginia é que a obra possa trazer cura às pessoas, assim como fez com ela. “Que o livro leve à percepção de que as feridas que sangram na alma podem ser fechadas”.

Podem, mas o processo costuma ser dolorosamente longo – e, no caso de ministros do Evangelho, acompanhado de muitas cobranças. CRISTIANISMO HOJE fez contato com alguns pastores que se divorciaram, mas quase todos se recusaram a falar ou fizeram questão do anonimato. Mas o pastor, escritor e conferencista Ariovaldo Ramos, da Comunidade Cristã Reformada, contou sua experiência. Logo ele, que passou boa parte do ministério ajudando pessoas a superarem suas crises pessoais e conjugais. No entanto, há cinco anos, viu a família construída havia 22 anos se desmontar com um divórcio. “Perdi grande parte dos que considerava como minha família, que ficou praticamente reduzida às minhas filhas”. Hoje, o religioso já ultrapassou a pior fase, mas ainda assim sofre efeitos do que lhe aconteceu. “Cheguei a ser muito caluniado.”

Ariovaldo não engrossa o coro dos crentes que acham que o casamento, ainda mais quando feito dentro da igreja, não pode acabar. “A Bíblia questiona como duas pessoas poderão andar juntas, se entre elas não houver acordo. Então, sob vários aspectos, o divórcio é admitido. Mas não é o ideal – deve-se sempre lutar pela manutenção do casamento”. Opinião semelhante tem seu colega Luiz Longuini Neto, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. Conhecido por celebrar casamentos de celebridades, como as atrizes Juliana Paes e Deborah Secco, ele defende que uma segunda tentativa possa ser feita – e com conhecimento de causa, já que divorciou-se três vezes e está no quarto matrimônio. “Antigamente, a igreja não estava preparada para lidar o com o divórcio, ainda mais de pastores”, avalia.

Ele lembra que sofreu muito preconceito quando de sua primeira separação, há 25 anos. “Contudo, ocorreram muitos avanços”. Deixando claro que não defende o divórcio, Longuini lembra que, entre os evangélicos, o matrimônio não é um sacramento, ao contrário do que ocorre no catolicismo. Mesmo assim, o pastor diz que, quando procurado, sempre ajuda casais em crise a recuperarem a união. “Mas, às vezes, o fim do casamento é inevitável. Não apenas por uma questão de adultério sexual, e sim, pela quebra do pacto do casamento. Um homem que maltrata a mulher ou uma esposa perdulária, que gasta todos os recursos da família indevidamente, também cometem quebra de compromisso matrimonial.”

DESCANSO NO SENHOR

Um dos caminhos para quem busca um recomeço – com ou sem companhia – depois do divórcio são os ministérios voltados os chamados singles, termo genérico que abrange solteiros, viúvos e descasados na igreja. Esses grupos cresceram à medida em que o divórcio foi se tornando mais tolerado no meio evangélico. Eles promovem integração, convívio, edificação espiritual, suporte emocional e ajuda mútua entre o segmento, que tem demandas bem específicas e geralmente não supridas pelas atividades de outros setores das igrejas, como jovens ou casais. Um dos primeiros movimentos do gênero surgiu em 1989, na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro. Chamado Oásis, no início o grupo enfrentou certo preconceito e atraiu apenas seis pessoas. Contudo, mais de 20 anos depois, a associação hoje tem grande atividade na congregação. Além de realizar encontros devocionais e sociais, o Oásis auxilia o departamento diaconal e atua em serviços assistenciais mantidos pela igreja.

Na Igreja Batista de Água Branca (IBAB), de São Paulo, funciona o Ministério de Ação e Integração, o Mai, que tem como responsável o pastor Claudio Manhães. “Temos observado diversos testemunhos de gente que se integrou à igreja através desse trabalho”, diz o dirigente. O grupo promove reuniões quinzenais e realiza um encontro anual, com cerca de 200 pessoas – e, volta e meia, novos relacionamentos surgem ali. Mas nem todos os que deles participam estão à procura de uma nova cara-metade. O comerciante Edélcio Edmir Caraça, 54 anos, divorciou-se em 1996, e só depois aceitou o Evangelho, na Igreja Renascer em Cristo. Mais tarde, transferiu-se para a Primeira Igreja Batista de Perus, onde fez seminário e envolveu-se em diversas atividades. Hoje, é diácono, e permanece sozinho. “Minhas funções na igreja e vida espiritual não são afetadas por eu ser divorciado, porém, a vida social com os membros da igreja fica mais restrita”, admite.

Edélcio, que tem uma filha de 23 anos, diz que a diferença de idade em relação a outros grupos, como os de jovens, dificulta o desenvolvimento de laços de amizade mais fortes. O comerciante diz que não se sente excluído, mas afirma que é necessário saber precaver-se de algumas situações: “Principalmente no início, sempre tentaram arrumar um casamento para mim. Se aparecesse uma viúva ou uma mulher acima da idade jovem na igreja, já queriam marcar até encontro para a gente”, lembra, divertido. Dizendo buscar a vontade de Deus para sua vida, Edélcio garante que não está ansioso por um novo relacionamento. “Sei que, se não me casei novamente, foi porque o Senhor ainda não quis. Descanso nas palavras de Paulo em I Coríntios 7”. Ali, o apóstolo dá uma série de orientações aos crentes acerca de casamento e família e deixa claro que, caso o cristão decida se casar ou permanecer sozinho, não á nada de errado nisso. Uma de suas falas constitui excelente conselho, seja qual for a situação: “O que eu realmente quero é que vocês estejam livres de preocupações”. E, mais adiante, ele é categórico ao defender o valor do matrimônio: “Se estás casado, não procura separar-te.”

Os efeitos das recentes mudanças no Direito de família no Brasil, que facilitaram os processos de divórcio, já podem ser medidos em números. De acordo com dados do Colégio Notarial de São Paulo, a quantidade de divórcios realizados em cartórios, sem necessidade de processo judicial – possibilidade inaugurada com a nova lei –, aumentou em 109% no último ano em São Paulo. Foram 9.317 casamentos que chegaram ao fim, contra 4,5 mil em 2009. Pelas novas regras (Emenda Constitucional 66/2010), não existe mais exigência de tempo de separação de fato para que casais possam se divorciar – antes, era preciso esperar dois anos entre a separação de fato e o divórcio. Além disso, caso não haja filhos menores ou incapazes e seja firmado acordo prévia em relação à partilha dos bens, marido e mulher podem encerrar sua relação com apenas uma visita ao cartório.

“Falta mudança de vida”

Pastor e missionário, Sergio Leoto atua na área de família na Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, ao lado da mulher, a psicóloga Magali. Ele conversou com a revista evangélica Cristianismo Hoje:

A quê o senhor atribui o aumento dos casos de divórcio no meio evangélico?

SERGIO LEOTO – Embora não haja levantamento específico, podemos dizer, a partir da observação como conselheiros, que esse aumento é um fato. Aponto a falta de discipulado sério junto aos novos convertidos como um dos motivos. Assim, situações erradas da vida anterior à conversão – como a mentira e o adultério –continuam se repetindo, pois não há instrução sobre o que é a nova vida em Cristo e a santificação. A falta de ministérios de família também é um problema. Apesar de diversos trabalhos de ótima qualidade, no geral, não existe atendimento efetivo a casais em crise.

Quais são os principais problemas que levam um casal de crentes a se divorciar?

Os fatores principais são a inabilidade em lidar com as diferenças de comportamento entre os cônjuges, o adultério – muitos crentes, homens ou mulheres, ainda não sabem fugir das “cantadas” – e transtornos ligados à área financeira. Ou por haver muito dinheiro envolvido, ou pela falta dele…

Como pastor de igreja e conselheiro, que orientação o senhor dá aos crentes que, casados já na condição de evangélicos, manifestam a intenção de encerrar o relacionamento?

Partimos do pressuposto de que, se somos procurados por casais a um passo do divórcio, é porque ainda existe chance de reconciliação. Nunca é um trabalho fácil, pois casamentos que se deterioraram através de anos não são recuperados em questão de minutos. São muitos encontros, meses de trabalho, muita oração, muita boa vontade de todos os envolvidos – e, na maioria das vezes, acontece a reconciliação. Nossa maior recompensa é ver famílias que permaneceram unidas, aprenderam a lidar e conversar sobre as diferenças de pensamento, aprenderam a perdoar e amadureceram, entendendo que casamento nos dá direitos mas também deveres.

Curva ascendente

Para cada quatro casamentos realizados no Brasil, um é desfeito (com números do IBGE de 2009):

916.006 foram os casamentos

231.329 uniões chegaram ao fim