Por Kátia Mellov
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Casos recentes mostram um dos lados mais fortes da humanidade: a fé e a recusa em se entregar quando situações extremas levam à beira da morte
Há na humanidade uma categoria que não se une por raça, credo ou localização geográfica. São os sobreviventes. Pessoas que viveram uma situação extrema e, mesmo diante da fragilidade da vida, resistiram. Nos últimos dias exemplos assim apareceram em um acidente de carro em São Paulo, num massacre a tiros no México, em uma mina de cobre e ouro no Chile e em uma queda de avião na China.
Apenas nesse último caso foram 54 sobreviventes.
Em São Paulo, no dia 24 de agosto, uma bebê de 22 dias foi arremessada pela janela de um veículo e, segundo o policial que atendeu ao chamado, não sofreu nenhum arranhão. “Uma criança de 20 dias ser arremessada a 20 metros, passando por várias árvores, ferragens, pelo vidro estilhaçado e não ter acontecido nada. Foi Deus”, declarou o tenente da polícia militar André Antunes.
A bebê estava na cadeirinha quando o pai, um administrador que fazia uma entrega, parou para pedir informações a três moças no bairro do Jaçanã e outro carro estacionou. Um homem desceu atirando no administrador, que acelerou e saiu correndo.
A mãe, em um gesto instintivo, tirou a pequena da cadeirinha e a segurou no colo. Dos sete tiros disparados, três atingiram o pai da menina nas costas. Mesmo assim ele percorreu cerca de 10 quilômetros até a rodovia Fernão Dias, onde desmaiou, perdeu o controle do veículo e capotou diversas vezes até parar em uma árvore. Durante a capotagem, a récem-nascida foi arremessada. A mãe saiu desesperada à procura e a encontrou em uma moita, segundo relato do irmão da vítima ao jornal “O Estado de S. Paulo”. A criança ficou internada até 27 de agosto apenas para observação.
Ela mal abriu os olhos e já é uma sobrevivente. “Possivelmente essa bebê não sofreu nenhum trauma psicológico. A memória dos bebês é frágil, eles se esquecem muito rápido. Dificilmente isso trará sequelas futuras”, diz o psicólogo Renê Alcântara, que trata casos de crianças e adultos traumatizados.
A mesma sorte teve o equatoriano Luis Freddy Lala Pomavilla, de 18 anos, que escapou da morte ao permanecer imóvel durante uma chacina promovida por guerrilheiros mexicanos na fronteira do México com o estado do Texas, nos Estados Unidos. O massacre deixou 72 mortos no dia 24 de agosto. Pomavilla relatou que o grupo do qual fazia parte – brasileiros (leia mais na página 4), hondurenhos, salvadorenhos e equatorianos que pretendiam entrar ilegalemente nos EUA – foi abordado por um grupo armado e levado a um rancho na província de Tamaulipas. Lá, os guerrilheiros, identificados como integrantes do cartel de drogas Zetas, tentaram extorquir os imigrantes. Depois, ofereceram trabalho de capangas para os latinos, o que foi recusado. A ordem, então, foi que todos fossem mortos.
Ao todo, 14 mulheres e 58 homens foram assassinados. Pomavilla, atingido na garganta, se fingiu de morto até que os bandidos saíssem. Depois, foi até o posto de controle da marinha norte-americana, onde recebeu atendimento e contou tudo. Agora, está sob proteção da Justiça e, no último dia 29, retornou para a mulher no país de origem.Apesar de ser instintivo, sobreviver é também uma escolha. No dia 5 de agosto, uma mina de ouro e cobre localizada ao norte do deserto do Atacama, no Chile, desmoronou. Havia 33 mineiros lá dentro, que no início muitos acreditaram estar mortos. Mas a dúvida durou até o dia 22 de agosto, quando as equipes de resgate conseguiram estabelecer contato com os sobreviventes. Eles se alimentaram, durante 17 dias, com dois pedaços de atum e meio copo de leite a cada 48 horas cada um.
“O corpo tem reservas de gordura, que são transformadas em energia pelo organismo. Para morrer de fome, são necessários muitos dias sem a ingestão de alimentos. Eles foram muito inteligentes separando partes iguais de comida e se alimentando em espaços prolongados de tempo”, diz o professor Carlos Adão Bastos de Melo, mestre em biologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Mas, sem água, em 4 ou 5 dias eles teriam morrido”, alerta o professor. Os mineiros recorreram a garrafas d’água guardadas nos caminhões que também ficaram soterrados.
Os familiares dos mineiros montaram um acampamento próximo ao centro de operações da mina e uma parte só voltou às atividades normais na quinta-feira (26), depois que um vídeo de cerca de 45 minutos feito pelos mineradores foi exibido em um telão. Cerca de 400 pessoas se colocaram em vigília no local, que ficou conhecido como “acampamento Esperança”.
A área está coberta de faixas de apoio. “Temos muita fé que Deus vá nos ajudar”, disse Yolanda Rojas, irmã de um dos mineiros, ao jornal argentino “La Nación”. “Ter fé em Deus nos traz segurança, gera uma sensação de proteção e assistência, além de gerar pensamentos positivos, anulando a dúvida e o medo que esse tipo de situação traz, nos fazendo ter paciência e perseverança. Ter fé nesses momentos é importante tanto para quem está preso quanto para quem espera”, diz Renê Alcântara.
Apesar de terem sido encontrados, a jornada dos mineiros para ver a luz do sol novamente apenas começou. A perspectiva de libertação deles (embora esse prazo possa ser encurtado) é para o Natal, segundo o governo chileno. Como eles estão em um local a 688 metros de profundidade, as escavações devem levar 4 meses a princípio. Por ora, estão recebendo alimentos e suprimentos de higiene por um duto de ventilação. Não sem motivos, esse canal é chamado de cordão umbilical e será o responsável por mantê-los vivos até o fim do resgate.
No último dia 29 eles gravaram um outro vídeo para os familiares. Osman Araya, de 30 anos, um dos soterrados, resumiu o espírito de luta deles: “Nunca vou deixá-los, vou lutar até o fim para estar com vocês.”
O francês Guilhem Nayral sobreviveu à inospitalidade da selva amazônica na Guiana Francesa por 7 semanas, quando se perdeu com seu amigo Loic Pillois. “Quando os policiais me encontraram eu estava exausto. Andamos por 2 semanas atrás de ajuda ou de uma civilização e não encontrávamos nada.
Eu emagreci 20 quilos neste período, no qual me alimentei de tartarugas, sementes e aranhas, que, por causa do veneno, me fizeram perder a sensibilidade gustativa.
Eu só pensava na minha família e em como eu gostaria de sobreviver por eles. Mas eu acredito que eu só sobrevivi porque Loic estava comigo. Fomos grandes amigos um para o outro”, contou Nayral à Folha Universal. Foi o amigo dele quem encontrou o resgate e orientou a direção para buscá-lo pois Nayral não conseguia mais andar. “A sobrevivência e a evolução da nossa espécie depende de nos relacionarmos bem com outros seres humanos”, defende o biólogo Bastos de Melo.“Assim como bebês choram para conseguir alimento, corremos de um ambiente pegando fogo ou protegemos o rosto e nos jogamos no chão quando algo explode. Não é deliberado, é instinto de sobrevivência. Quando uma pessoa se encontra em uma situação extrema, ela não tem outra escolha se não encontrar artifícios para sobreviver”, diz Alcântara.
Instinto de sobrevivência é o termo que define o caso do norte-americano Aron Ralston. Ele escalava uma montanha no Estado de Utah quando foi atingido por uma pedra gigante, que caiu sobre seu braço direito, esmagando-o.
Ele passou 5 dias tentando tirar a pedra de cima do braço. Ao final do quinto dia, desidratado e delirante, amputou o próprio antebraço e conseguiu ser resgatado por autoridades do parque. “O ser humano se adapta muito fácil, foi isso que o fez evoluir. Independente de onde e como ele estiver, encontrará artifícios para sobreviver”, defende o psicólogo Alcântara. Afinal, estamos defendendo o nosso maior bem