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A criação de Eva, a primeira mulher

A mulher já estava nos planos de Deus

Eva da Rede Record. (Foto: Reprodução)

Na Lição passada estudamos a criação do primeiro homem, Adão; agora nos deteremos na criação da primeira mulher, Eva. Ambos criados por Deus, para juntos formarem o primeiro casal do qual descende toda a raça humana.

Esta Lição nos levará não só a descrever a criação da mulher, mas sua importância e seu papel social e espiritual no casamento, na família e na sociedade. Que as piadas sobre mulheres e o trato desrespeitoso não encontrem lugar nesta nossa aula dominical, antes sejam os nossos pensamentos os mais puros, cativos da Palavra bendita do Senhor!

I. A mulher no plano de Deus

1. A mulher já estava nos planos de Deus

Ainda que a narrativa sobre a criação de Eva (Gn 2.18-24) pareça sugerir que Deus somente tencionou trazê-la à existência após a constatação da solidão de Adão, mais apropriadamente deve-se crer que Deus já havia planejado a mulher na eternidade ao mesmo tempo em que planejou a criação do homem.

A razão para esta conclusão é muito simples, e para respaldá-la vamos do primeiro ao último livro da Bíblia. Em Gênesis 3.15, por ocasião da Queda, Deus disse que da semente da mulher (isto é, descendente dela) viria aquele que pisaria a cabeça da serpente (satanás, a “antiga serpente” – Ap 12.9; 20.2); ou seja, já estava determinado que o Cristo salvador seria concebido por mulher (Gl 4.4). E o Apocalipse nos diz que “o cordeiro foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8), logo, o Salvador concebido de mulher já havia sido estabelecido por Deus mesmo antes da criação do homem, desde a fundação do mundo!

A sentença invertida também é verdadeira: desde a fundação do mundo, quando o homem ainda nem tinha sido criado, a mulher que levaria a semente do Salvador já estava nos planos de Deus!

Mas por que é importante refletirmos sobre o planejamento da mulher na eternidade? Primeiro, leva-nos a admirar ainda mais a onisciência do nosso Deus, diante de quem passado, presente e futuro são perfeitamente conhecidos. Deus conhece perfeita e milimetricamente o futuro como conhece o que acontece agora e o que passou. Na eternidade não há essa noção de tempo, própria do nosso universo. Segundo, porque leva-nos a valorizar ainda mais a importância da mulher, visto que ela não é mero “apêndice” da criação, nem peça de adorno para o homem. Ainda que tenha anatomia diferente e papel social distinto, a mulher traz em si valor tão intrínseco quanto o homem!

2. A decisão de formar a mulher

Não corroboramos com a tese de que Adão estava triste ou deprimido no Éden, sentindo falta ou se queixando por uma parceira que fosse da sua mesma espécie. O texto bíblico não nos permite inferir tanto!

E também rechaçamos a má colocação do respeitado comentarista Matthew Henry, segundo quem, Deus trouxe os animais diante de Adão e “apresentou todas diante dele, para ver se haveria uma parceira adequada para Adão em alguma das inúmeras famílias das criaturas inferiores”[1]. Colocadas dessa forma, essas palavras sugerem que Deus estava buscando entre os animais uma parceira para Adão, e isso além de beirar a zoofilia ainda contraria o ponto que defendemos anteriormente de que Deus já tinha planejado Eva para Adão. Os animais foram levados à Adão para que ele lhes atribuísse nome (Gn 2.19) e não para que ele escolhesse uma parceira ideal!

Foi o próprio Deus quem julgou que a solidão de Adão não era algo bom. Não porque ele estava triste, pois certamente Adão estava feliz pela presença de Deus, pela beleza da criação que o cercava e pela atividade certamente prazerosa que lhe foi dada como primeiro botânico e zoólogo no Éden; é que mesmo a alegria demanda parceria para ser desfrutada e compartilhada! Quem gosta de ir ao parque sozinho? Quem gosta de passar as férias em lazer solitário? A Trindade nos ensina desde a eternidade que amor e alegria são virtudes e sentimentos para serem compartilhados em família!

O próprio Senhor Deus (hb. Yavé-Elohim) tomou a iniciativa, mesmo sem qualquer apelo de Adão, para criar uma parceira para ele, executando assim um plano que já estava traçado na eternidade: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea” (Gn 2.18). Em Eva, Adão encontrou uma esposa, uma verdadeira dádiva do Senhor (Pv 18.22).

3. A mulher, uma pessoa necessária

Adão fora criado em estado de pureza e perfeição, mas não em estado de autossuficiência. Nenhuma criatura é ou jamais será autossuficiente!  Em primeira instância dependemos do Criador; secundariamente, precisamos uns dos outros. Com Adão não fora diferente.

Nem a mulher deve dizer que não precisa do homem, nem o homem deve esbravejar que não precisa da mulher, assim como o olho não pode dizer à mão “não preciso de você”, ou como a cabeça não pode dizer ao pés: “não tenho necessidade de vós” (1Co 12.21). Ainda que opte pelo celibato, o que é um dom de Deus (1Co 7.6-7), o homem ou a mulher precisa na estrutura da família e da organização social um do outro. É soberbo e egoísta pensar diferente.

Eva foi criada porque Adão precisava dela, e é curioso perceber que a mesma palavra usada para se referir à Eva, “ajudadora”, “adjutora” ou “auxiliadora” (hb. ezer), é também usada para se referir ao próprio socorro divino de que o homem necessita (“o teu socorro [hb. ezer], Israel, vem de mim” – Os 13.9; conf. Êx 18.4Sl 33.20). Portanto, de modo algum deve ser tomado como diminutivo o fato de Eva ter sido formada para ser ajudadora de Adão, antes, esta é uma posição de honra para a mulher!

É muito pertinente o comentário do teólogo batista Craig Keener:

“A expressão traduzida por ‘ajudadora […] adequada’ não subordina a mulher, mas exalta a sua força (a palavra ‘ajudadora’ em todo o Antigo Testamento, refere-se mais a Deus que a qualquer outra pessoa; ‘adequada’ significa ‘correspondente’ ou ‘apropriada a’, isto é, alguém igual ao homem, em contraste com os animais). A mulher, portanto, foi criada porque o homem precisava da força dela e não (como alguns interpretam errado esse versículo) para ser sua serva”.[2]

II. A criação da mulher

1. A primeira anestesia

Tendo planejado e decidido executar a maravilhosa obra da criação da mulher, o Senhor fez Adão cair em profundo sono (Gn 2.21), não porque queria surpreendê-lo, mas porque queria livrá-lo da dor, visto que seria de sua carne, não do pó da terra, que Deus moldaria uma companheira para ele. Enquanto Adão dormia, Deus lhe preparava uma esposa! (Que maravilhoso alento aos varões solteiros ou viúvos, que, sentindo-se sozinhos estão pedindo a Deus uma esposa).

Esta primeira anestesia, administrada pelo próprio Deus, demonstra a misericórdia divina e fala para nós como estaríamos livres de sofrimentos se tão somente tivéssemos perseverado em obediência diante de Deus. Até mesmo para obras que viessem demandar alguma dor, o Senhor nos proporcionaria o alívio delas. Mas o pecado abriu as portas para todo sofrimento que agora amargamos!

Entretanto, podemos ter esta esperança: breve chegará o dia em que o Senhor enxugará de nossos olhos toda a lágrima e fará cessar toda a dor; não porque nos colocará em profundo sono, como a Adão, mas porque nos revestirá de corpo glorioso a semelhança de seu Filho Jesus e nos fará herdar lugar junto à sua presença na eternidade de gozo incomparável! (Sl 16.111Jo 3.2Ap 21.4)

2. A primeira cirurgia

Tendo colocado Adão sob sono profundo, o próprio Deus realiza o procedimento cirúrgico para retirar parte da sua costela com a qual viria a formar Eva (Gn 2.21,22). Claro que o pedaço de carne retirado precisou ser “multiplicado” sobrenaturalmente para que o corpo inteiro de uma mulher fosse criado, com todos os órgãos, sistemas e tecidos que constituem a anatomia feminina. E também a Adão aquele pedaço retirado não fez falta, já que o Senhor “fechou o lugar com carne” (v. 21).

É curioso notar que, no Éden, Deus feriu Adão do lado para dele trazer Eva à existência; igualmente Deus, no Gólgota, feriu Jesus para dele trazer a Igreja à existência (e Jesus foi transpassado em seu lado! – conf. Is 53.4,5,10,11Jo 19.34).

Nisto concordamos com Matthew Henry, quando discorria sobre a criação de Eva a partir da costela de Adão: “Não foi feita de sua cabeça para estar acima dele, nem de seus pés para ser pisada por ele, mas de seu lado para ser igual a ele, sob seu braço para ser protegida, e perto do coração par ser amada”.[3]

3. A primeira engenharia genética

No Éden Deus não realizou um mero transplante nem também um trabalho de clonagem. Eva não era uma cópia idêntica de Adão, embora fosse ossos de seus ossos e carne da sua carne (como o próprio Adão declara em tom poético – Gn 2.23). De fato, vemos ali uma engenharia genética inigualável até os dias de hoje: de uma simples costela masculina Deus formou todo o corpo feminino, da cabeça aos pés!

O novo ser era igual ao homem em espécie, mas distinto em gênero (“será chamada varoa”, ou seja, fêmea, em contraste ao varão, isto é, macho; conf. Gn 2.23b); criado divinamente não para rivalizar com o homem nem para ser mera réplica sua, mas para complementá-lo.

Transplante de órgãos, os médicos fazem; clonagem (ainda que não humana), os cientistas já fazem; mas criação de novas vidas, conscientes, inteligentes e autônomas, somente Deus pode fazer! Não se criam alma e espírito em tubos de ensaio nos laboratórios, é Deus quem dá vida ao corpo, do contrário, mesmo um embrião gerado no útero materno virá a ser um feto morto.

Não se fala de Deus soprando nas narinas de Eva, como fora na criação de Adão, mas é perfeitamente possível afirmar que também foi necessária esta partilha de vida, para que a alma de Eva fosse criada para habitar o corpo de carne e osso que Deus lhe formara.

1. A missão de esposa

a) A lenda de Lilith

O próprio Adão dá a mulher o seu nome Eva (hb. chavvah), que quer dizer vida ou vivente (Gn 3.20)Isto demonstra o papel de liderança de Adão sobre Eva e a família que a partir deles seria gerada. Esse padrão de liderança masculina no casamento e paternal na família é sustentada no Novo Testamento, especialmente pelo apóstolo Paulo (Ef 5.22Cl 3.18; conf. 1Pe 3.1).

Rechaçamos peremptoriamente a lenda pagã da tal Lilith, e quaisquer outras que sugiram uma esposa anterior à Eva. Tomamos o relato bíblico de Gênesis como literal (assim como fizera Jesus e os apóstolos), e ensinamos que Eva foi a primeira esposa (e até onde se sabe, a única!) de Adão, sendo chamada de “mãe de todos os viventes” (Gn 3.20). O texto bíblico fala-nos com clareza meridiana que antes de Eva, não se achou esposa para Adão que lhe fora semelhante (2.20).

Intérpretes enganados pela antiga serpente ensinam que a declaração de Adão “esta agora é osso dos meus ossos…” (v. 23) sugere que ele teve outra esposa anterior que não fora criada a partir de sua carne. Mas tal interpretação além de fantasiosa é mirabolante, pois o a declaração de Adão está apenas a ratificar o que o versículo 20 já havia declarado: Adão não teve companhia semelhante a ele no Éden, onde esteve cercado de animais irracionais, criaturas inferiores a ele, até que Deus lhe deu uma companhia da qual se podia dizer: “esta agora é carne da minha carne e ossos dos meus ossos”.

b) Padrão heterossexual do casamento

A criação de Eva estabelece o padrão divino de casamento: heterossexual, isto é, entre sexos diferentes. Se aprouvera a Deus a relação homossexual, então teria ele criado da costela de Adão um novo homem para dar-lhe como parceiro. Porém, tal relação não passa de uma perversão de satanás sugerida aos homens de coração ímpio, a fim de ridicularizar a maravilhosa instituição criada por Deus. Sim, isto mesmo: a relação homossexual é uma zombaria de satanás contra o casamento criado por Deus entre um homem e uma mulher!

O próprio texto do Gênesis (ratificado por Jesus em Mateus 19.5) é heteronormativo: “deixará o HOMEM seu PAI e sua MÃE e se unirá à sua MULHER e serão os dois uma só carne” (Gn 2.24). Não se fala de homem e homem, nem de mulher e mulher, menos ainda de pai e pai ou mãe e mãe – tudo isso é gambiarra inventada pelo escarnecedor inimigo de Deus, para provocar-lhe a ira através dos homens ímpios!

c) Companheira para sempre

Foram três as razões pelas quais Deus criara a mulher, e penso que nesta justa ordem de importância: primeiro, para ser uma companheira ajudadora do homem, visto que Deus não se contentou com a solidão de Adão (Gn 2.18); segundo, para ser uma esposa, que se ligaria intimamente a Adão, fazendo-se os dois “uma só carne” (v. 24); terceiro, para que, por meio do casamento, Adão e Eva povoassem a terra, enchendo-a de filhos para o Senhor (1.27,28).

Portanto, percebe-se que a missão mais importante da mulher enquanto esposa não é nem a procriação nem a satisfação sexual do marido, pois em alguma etapa da vida conjugal o prazer sexual diminui e a geração de filhos cessa, mas a companhia entre os cônjuges deve se estender “até que a morte os separe”!

O casamento não se acaba quando o vigor físico desvanece e o desejo sexual torna-se menos frequente, pois é possível que devido doenças, deficiências ou velhice (com as devidas alterações biológicas e hormonais que a acompanham) a atividade sexual já não seja a mesma dos primeiros jovens anos de casamento. Mas ainda assim, marido e mulher são parceiros em todas as estações da vida, mesmo as outonais. E o amor verdadeiro nem as muitas águas podem apagar seu ardor, nem os rios afoga-lo! (Ct 8.7).

2. A missão de mãe

Diferentemente dos anjos que não se casam (daí podemos inferir que Deus criou a cada um deles individualmente, fazendo-os “muitos milhares de anjos” – Hb 12.22), a espécie humana se propaga por meio da procriação.

Deus não voltou a pegar o pó da terra para criar Eva ou outro ser humano depois de Adão. “Sede fecundos” ou “Frutificai”, disse o Senhor ao primeiro casal (Gn 1.28), dando-lhe a responsabilidade de, por meio da relação sexual, multiplicar a espécie humana.

À mulher foi dado o grande privilégio de gerar filhos para o Senhor. A anatomia do corpo feminino foi desenvolvida por Deus para o pleno cumprimento do papel social de mãe: útero onde uma nova vida é gerada, seios onde o recém-nascido é amamentado, além de percepção e afeto maternos que muito distinguem a psiquê feminina da masculina. A evolução cega proposta pelos naturalistas jamais poderia, nem mesmo em milhões de anos, ter desenvolvido o corpo feminino com as suas complexas peculiaridades. Deus é que fez a mulher como bem desejou, com seu tremendo poder e infinita sabedoria!

Casar e gerar filhos devem ser boas e comuns expectativas às mulheres cristãs (1Tm 5.14). O feminismo com sua cultura de aversão ao casamento e a geração de filhos, insistindo na proposta da liberação do aborto e do tal “empoderamento feminino”, não deve achar lugar entre as santas mulheres de Deus!

É louvável a jovem que opta pela vida celibatária para dedicar-se à causas sociais e/ou missionárias, entregando seu tempo integral ao Senhor para obras de grande relevância em seu reino; mas a moça que por conselho dos ímpios (Sl 1.1) ou razões egoístas rejeita o casamento e abomina a geração de filhos, peca contra a própria natureza com que Deus a dotou.

3. A missão como súdita do Reino de Deus

A mulher cristã jamais dirá “meu corpo, minhas regras”, pois ela sabe que é feitura do Senhor (Ef 2.10), e que a Deus deve submissão, visto que as regras são do Criador e Senhor, não da criatura.

A jovem Maria de Nazaré deu grande exemplo de submissão a Deus quando submeteu-se ao chamado para ser a mãe do Salvador, o Filho de Deus que nela seria gerado milagrosamente por obra do Espírito Santo. As palavras de Maria devem ser tomadas por todas as mulheres, meninas ou senhoras, solteiras ou casadas, que desejam em tudo agradar a Deus: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1.38).

Como leais súditas do reino de Deus, devem as mulheres: amarem seus maridos (Tt 2.4), criarem os filhos no caminho do Senhor (1Tm 5.14), viverem a pureza e a santidade (Tt 2.5), valorizarem mais a beleza do caráter (1Pe 3.3-5Pv 31.30), testemunharem de Cristo e viverem na plenitude do Espírito Santo (Jl 2.28,29At 21.9).

Na obra do Senhor, não devem as mulheres constituírem uma plateia muda e inerte diante dos homens, antes, devem elas também, a exemplo das valorosas servas de Deus na igreja primitiva (conf. Rm 16, que traz a mais extensa lista de colaboradoras femininas, verdadeiras obreiras do Senhor), se dedicarem à oração, louvor e exercício dos preciosos dons espirituais. As palavras seguintes de Frida Vingren, esposa do missionário fundador das Assembleias de Deus no Brasil, Gunnar Vingren, embora dirigidas especificamente às mulheres assembleianas, são de grande valor a todas as mulheres cristãs que, a exemplo da irmã Frida, desejam trabalhar para o Senhor e deixar grande legado para as gerações futuras:

“As irmãs da Assembleia de Deus que igualmente como os irmãos têm recebido o Espírito Santo, e, portanto, possuem responsabilidade de levar a mensagem aos pecadores,  precisam convencer-se de que podem fazer mais do que tratar dos deveres domésticos. Sim, podem também quando chamadas pelo Espírito Santo sair e anunciar o evangelho”.[4]

Sim, caras irmãs, a maravilhosa promessa do derramamento do Espírito também é “para vós” (At 2.39).

Conclusão

Quanta desinformação e discriminação cai por terra quando estudamos a Palavra de Deus com seriedade! A mulher tem valor intrínseco e papel preponderante na Criação. Feita distinta do homem para ser parceira dele e com ele construir uma família e uma sociedade que exalte a Deus e promova sua glória. Se você é varão e tem uma mulher, ame-a como Cristo amou a igreja e por ela se sacrificou; mas se você é uma mulher, veja-se amada por Deus e parte importante de seus planos eternos para a humanidade!

Referências

[1] Matthew Henry. Comentário Bíblico, vol. 1, CPAD, p. 17

[2] Craig Keener. Comentário histórico-cultural da Bíblia: Novo Testamento, Vida Nova, p. 576

[3] Citado por Wenham em Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, p. 105

[4] Frida Vingren. Artigo Deus mobilizando tropas, publicado em 1931 no jornal Mensageiro da Paz.

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As profecias bíblicas, Irã, EUA, Israel e a terceira guerra mundial

O que o profeta Ezequiel fala sobre a tensão e os rumores de guerra atualmente.

EUA, Irã, Iraque e Israel. (Foto: Reprodução / Montagem)

O Irã entra na história bíblica e profética, ainda como Pérsia, através de seu mais famoso guerreiro e conquistador, Ciro, o grande, que estrategicamente uniu os medos e os persas na conquista da Babilônia (539 A.C.), pondo fim ao império do grande e terrível rei Nabucodonosor. O Império Persa, na época do rei Assuero, descendente de Ciro, se estendia da Índia à Etiópia (Ester 1:1-2).

Foi no governo persa que o povo judeu teve autorização real, apoio político e material para voltar para a terra de Israel, por meio de decreto para restaurar e construir a cidade de Jerusalém e seus muros, conforme Daniel 9:25a: “Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém”. Esse decreto foi dado por Artaxerxes Longimanus, em 445 a.C. (Neemias 2.1-8), dando início à reconstrução da cidade, dos muros e do Templo de Salomão.

Foi, todavia, durante o Império Persa, na época da rainha Ester, que o povo judeu travou uma de suas maiores batalhas pela sobrevivência.

Hamã, inimigo mortal de Israel, ascendeu a ministro do Império, e, de forma vingativa, elaborou a morte de todos os judeus, fazendo a seguinte proposta indecorosa ao rei Assuero: “Se bem parecer ao rei, decrete-se que os matem; e eu porei nas mãos dos que fizerem a obra dez mil talentos de prata, para que entrem nos tesouros do rei” (Ester 3:9).

Ao saber do plano macabro de Hamã, Mardoqueu, o judeu, assistente do rei, mandou avisar à rainha Ester que seu povo, sua família e ela mesma corriam iminente perigo de aniquilação. Ester se colocou diante do rei (Et.5:1-3) e rogou por sua vida e pela de seu povo (Et.7:1-6). Hamã foi desmascarado e executado (Et.7:7-10), e os judeus foram salvos pela intervenção do rei persa. Portanto, concluímos que a relação dos antigos persas com o povo judeu foi positiva no período bíblico.

 Os judeus na Pérsia no período pós-bíblico

As relações da Pérsia com os judeus nos séculos seguintes foram relativamente boas e amistosas. Muitas famílias judaicas no fim do cativeiro não retornaram para Israel, mas se estabeleceram, permanentemente, tanto na Babilônia (atual Iraque) quanto em Susã (antiga capital do Império Persa), mantendo seu vínculo histórico com Israel e servindo a nação que os acolheu.

As tradicionais famílias de judeus persas permaneceram no Império Persa por, aproximadamente, dois mil e quinhentos anos, convivendo com o zoroastrismo (religião antiga dos persas), e prosperaram em todas as áreas em que lhes foi permitido atuar pelos reis (Xás) persas.

Passaram pelo colapso do Império Aquemênida em 330 a.C. após as conquistas de Alexandre, o Grande, depois pelo Império Sassânida em 224 d.C., até que, em 633, árabes muçulmanos invadiram o Irã, conquistando o país por volta de 651. Com o surgimento do Império Safávida (1501), promoveu-se o xiismo islâmico como a religião oficial, em detrimento do sunismo (corrente ou tradição religiosa muçulmana dos sunitas), que durou até 1722.

Já no período moderno, temos o governo dos Xás (reis), com o grande guerreiro e general persa Nader, que se tornou o Xá do Império Persa. Em 1906 houve a Revolução Constitucional Persa, e se estabeleceu o primeiro parlamento da nação, que operava dentro do sistema político de monarquia constitucional. Já em 1935, por meio de um decreto real, mudou-se o nome de Pérsia para Irã, que significa “terra dos arianos”.

Após um golpe de Estado apoiado por Reino Unido e Estados Unidos, em 1953, o Irã tornou-se gradualmente autocrático. A crescente oposição contra a influência estrangeira e a repressão política culminou no fim da monarquia dos Xás através da Revolução Iraniana, liderada pelos aiatolás (os mais altos dignitários na hierarquia religiosa xiita), em 11 de Fevereiro de 1979, desde então, a nação é chamada de República Islâmica do Irã.

Comunidade judaica no Irã. (Foto: BEHROUZ MEHRI / AFP)

Apesar de todos estes acontecimentos envolvendo a nação dos antigos persas, a comunidade judaica continua presente no atual Irã: “os 25 mil judeus que ainda vivem no país podem praticar a sua fé. Isto é, com a condição de que não se envolvam na política e não se manifestem a favor de Israel” (Revista Judaica Morashá).

Historicamente, os judeus do Irã já foram em número muito maior, a evasão em massa intensificou-se depois da independência do Estado de Israel, prática que contabiliza, a cada ano, centenas de judeus que deixam o Irã e imigram para Israel (não sem grandes dificuldades burocráticas promovidas pelo governo de Teerã). E soma-se 80% os números dos judeus iranianos que abandonaram o país depois dos acontecimentos políticos ocorridos no Irã, a partir de 1979, quando a Revolução Islâmica colocou o aiatolá Ruhollah Khomeini como líder supremo do país e muitos judeus foram executados sob a acusação de serem sionistas (pró-Israel).

Desde a Constituição Iraniana de 1979, sujeitou-se os judeus ao status de dhimmi, isto é, a todas as restrições impostas pelo Islã às minorias religiosas, o que impede a comunidade judaica iraniana a se manifestar contra o governo, ou mesmo a favor de Israel e EUA: “Além disso, a vida comunitária é totalmente monitorada pelo Ministério da Cultura e Guia Islâmico, bem como pelo da Inteligência e Segurança” (Revista Judaica Morashá).

 Irã, Iraque, EUA e Israel na Equação

Dado esse pano de fundo bíblico/histórico, podemos partir para uma análise do atual momento envolvendo o Irã, Iraque, EUA e Israel.

O conflito dos EUA com o Irã tem seu início, ou pelo menos seu marco histórico, no ataque à embaixada americana no Irã por jovens estudantes militantes e islâmicos, que a tomaram em 04 de Novembro de 1979, quando 52 norte-americanos foram feitos de reféns, sendo libertos apenas no dia 20 de Janeiro de 1981, depois de 444 dias, em face do acordo de Argel, na Argélia, em 19 de Janeiro de 1981.

Esta atitude contra a soberania americana foi entendida como uma reação iraniana radical contra: a presença estrangeira no país; a tentativa de “ocidentalizar” uma nação predominantemente muçulmana; a liderança do Xá Mohammad Reza Pahlavi, em face de sua aproximação ao ocidente, especialmente ao governo americano, e da corrupção em seu governo.

A partir de então, os EUA passaram a ser o “grande Satã” para a liderança dos aiatolás no Irã, servindo como agente catalizador de uma unidade nacional contra um inimigo externo, bem distante, o que frustrava qualquer ideia democrática e permitia uma repressão interna.

A tentativa iraniana de influenciar religiosamente o Iraque, país vizinho de maioria xiita governado, com mão de ferro, pela minoria sunita, foi por água abaixo quando o presidente e ditador Saddam Hussein iniciou um ataque ao Irã no dia 22 de setembro de 1980. A guerra Irã-Iraque durou 8 anos (término: 20 de agosto de 1988, após a Resolução 598 da ONU) e resultou em um banho de sangue, com grandes perdas de vidas entre os combatentes e a população civil (oficialmente 1 milhão de mortos).

Com a queda do regime de Saddam Hussein em 2003, a relação entre Irã e Iraque começou a se normalizar, a ponto do Iraque permitir que muçulmanos xiitas do Irã fizessem suas peregrinações a lugares sagrados xiitas no país. Em março de 2008, o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi o primeiro presidente iraniano a visitar o Iraque desde a revolução islâmica de 1979. O premiê iraquiano Nouri al-Maliki fez várias visitas de Estado ao Irã desde 2006. Em janeiro de 2010, Irã e Iraque assinaram mais de 100 acordos econômicos e de cooperação («Mottaki: No one can harm Iran-Iraq relations»).

Essa aproximação só foi possível devido à ascensão dos muçulmanos xiitas ao governo iraquiano, o que também possibilitou a entrada ilegal de muitos iranianos no Iraque para apoiar os grupos insurgentes, além de fomentar a retaliação às tropas americanas no Iraque. Além disso, o Irã tem enviado armamentos e tropas terrestres ao Iraque para auxiliar na luta contra os extremistas da al Qaeda e contra o Estado Islâmico (grupos terroristas de orientação sunita) no Iraque.

Podemos afirmar que, atualmente, o governo de Teerã é o maior aliado de Bagdá, algo simplesmente impossível há duas décadas. Esta aproximação justifica a presença do terrorista iraniano Qasem Suleimani no Iraque.

Israel entrou na equação como efeito colateral, como peão no jogo de xadrez, o bode expiatório.

 Qasem Soleimani – O general terrorista admirado no Irã

Qasem Soleimani. (Foto: AFP / Getty)

Quem é Qasem Soleimani e por que no “dia 3 de janeiro de 2020, o presidente Donald Trump, autorizou um ataque aéreo por meio de um drone MQ-9 Reaper contra um comboio que viajava perto do Aeroporto Internacional de Bagdá”? (BBC Brasil). “O ataque causou a morte de dez passageiros, incluindo o general iraniano Qasem Soleimani, o vice-comandante das Forças de Mobilização Popular do Iraque, Abu Mahdi al-Muhandis, além de quatro altos oficiais iranianos e quatro oficiais iraquianos” (BBC Brasil).

De acordo com a BBC Brasil “Trump alegou que Soleimani tem cometido atos de terror para desestabilizar o Oriente Médio nos últimos 20 anos”. Cabe destacar que o ataque contra o general e terrorista Soleimani aconteceu poucos dias após manifestantes invadirem a embaixada dos EUA em Bagdá, entrando em confronto com as forças americanas no local. De acordo com o Pentágono, Soleimani teria aprovado os ataques à embaixada, assim como uma resposta a um ataque de míssil contra uma base militar no Iraque, que matou um civil americano na sexta-feira passada.

Nas palavras de Filipe Figueiredo, Soleimani foi quem “articulou a operação russa na Síria, para manter Assad no poder, forneceu equipamentos e treinamento aos houthis do Iêmen, arregimentou os diversos grupos iraquianos em uma frente coesa e transformou as relações entre Irã e o Hezbollah em uma parceria que transpôs as fronteiras do Líbano, presentes hoje na Síria e no Iraque”. Além disso, também foi ele quem articulou e pensou o atentado no centro judaico em Buenos Aires, em 1994, que deixou 300 feridos e 85 mortos.

 Por quê o Irã e EUA estão envolvidos no confronto?

O Irã e os EUA estão envolvidos diretamente nesse confronto pelo fato de estarem disputando influência no Iraque, devido à sua importância estratégica, em face da presença de petróleo no país (5o maior produtor de petróleo do Mundo), e tendo em vista sua importância para manter um equilíbrio mundial na produção de petróleo juntamente com a Arábia Saudita.

O Irã sempre teve uma importância geopolítica significativa devido à sua localização, no cruzamento entre o Sul, o Centro e o Ocidente da Ásia. E, principalmente, em face das suas grandes reservas de combustíveis fósseis, que incluem a maior oferta de gás natural no mundo, a quarta maior reserva comprovada de petróleo e o escoamento deste para Rússia e China, seus maiores compradores e aliados políticos.

Por isso, este tem disputado a liderança política e religiosa na região do Oriente-Médio, principalmente contra a Arábia Saudita (aliada dos EUA). Acredito que agora esteja explicado porque o aumento no preço do petróleo nos últimos dias.

A retaliação imediata do Irã como ato de vingança à morte de seu famoso general terrorista foram os ataques a duas bases americanas no Iraque, sem vítimas americanas e com baixo prejuízo material.

O que foi uma demonstração de força externa dos aiatolás para o público interno, mas sem maiores complicações no atual confronto com os EUA. São temerosas, porém, as retaliações que virão através de atentados terroristas. Uma vez que a vida alheia não tem valor algum para o radicalismo dos líderes iranianos (vide a notícia da morte de cinquenta pessoas pisoteadas e as centenas de feridos no sepultamento de Qasem Soleimani).

 Israel, no confronto indireto contra o Irã

Quanto às ameaças do líder religioso supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, e de seus porta-vozes de atacar Israel, se os EUA atacarem o Irã em resposta à retaliação ou “terrível vingança”, Tzvi Jofrre registrou: “Se o [presidente dos EUA, Donald] Trump retaliar a vingança do Irã, atacaremos Haifa, Tel Aviv e acabaremos com Israel”, disse Mohsen Rezaei no domingo.

O secretário acrescentou que o Irã é “muito sério” em se vingar e teria como alvo todos os interesses dos EUA na região. “O assassinato do mártir General Soleimani estabeleceu uma nova revolução no Irã contra a América”, disse Rezaei.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em coletiva de imprensa concedida no dia 8 de janeiro de 2020, ao lado do embaixador americano em Israel, David Friedman, advertiu o Irã de que o país sofrerá “um golpe esmagador” se atacar Israel.

Os altos oficiais de segurança israelenses reportaram ao gabinete de defesa que é improvável que o Irã ataque Israel em retaliação à ação dos EUA, que matou Soleimani no Iraque.

Também, nesta segunda-feira (6), em seus primeiros comentários públicos, o major-general israelense, Herzi Halevi, chefe do Comando Sul das IDFs, disse que o episódio faz parte do conflito entre o Irã e os EUA por busca de influência no Iraque. Halevi disse que Israel está pronto para lançar uma “resposta significativa” se a retaliação da República Islâmica incluir operações de seus aliados palestinos, como a Jihad Islâmica Palestina, com sede em Gaza.

Apesar das chances serem baixas de um ataque do Irã ao país dos judeus, as Forças de Defesas de Israel (IDFs) estão se preparando militarmente para proteger as fronteiras com a Síria e o Líbano e reforçando a defesa na região da Faixa de Gaza.

Uma leitura da nota oficial do Itamaraty mostra um posicionamento claro e maduro sobre o terrorismo ao afirmar: “Ao tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o Governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo e reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo”.

Demonstrou-se, portanto, que se deixou um posicionamento passivo para um posicionamento ativo no combate ao terrorismo: “Diante dessa realidade, em 2019 o Brasil passou a participar em capacidade plena, e não mais apenas como observador, da Conferência Ministerial Hemisférica de Luta contra o Terrorismo, que terá nova sessão em 20 de janeiro em Bogotá”. Se apoiando em condições sine qua non, “O Brasil condena igualmente os ataques à Embaixada dos EUA em Bagdá, ocorridos nos últimos dias, e apela ao respeito da Convenção de Viena e à integridade dos agentes diplomáticos norte-americanos reconhecidos pelo governo do Iraque presentes naquele país”.

 A questão profética – 3a Guerra Mundial?

O profeta Ezequiel no seu capitulo 38 profetizou que, no futuro, ou nos últimos tempos, a nação de Israel seria terrivelmente atacada por uma coalizão que viria do extremo norte de Israel, liderada por Gogue, da terra de Magogue, de uma forma devastadora: “Então subirás, virás como uma tempestade, far-te-ás como uma nuvem para cobrir a terra, tu e todas as tuas tropas, e muitos povos contigo” (Ez.38:9).

Gogue, o príncipe e chefe de Meseque, e Tubal não virão só, mas terão grandes e fortes aliados, incluindo a Pérsia (Ez.38:5), que é o atual Irã, para batalhar contra Israel.

Contudo, essa federação de nações, incluindo os persas, não prosperará e será derrotada: “E te farei voltar, e porei anzóis nos teus queixos, e te levarei a ti, com todo o teu exército, cavalos e cavaleiros, todos vestidos com primor, grande multidão, com escudo e rodela, manejando todos a espada” (Ez.38:4).

À primeira vista, isso pode parecer a 3a Guerra Mundial às portas, envolvendo Israel, Irã e muitas outras nações em uma grande batalha sangrenta (Ez.38:14-23).

Entretanto, a verdade é que essa porção profética refere-se a um período em que Israel estará vivendo em paz na terra (Ez.38:8-12), o que aponta para a primeira metade da Tribulação, quando Israel estará gozando de seu tratado de paz com o Anticristo nos primeiros três anos e meio (Dn.9:27Ap.11:2; 12:6; 13:5).

Aliança de paz quebrada pelo próprio Anticristo, que moverá uma grande perseguição a Israel. Porém, este já é um outro assunto.

Pastor Batista, Diretor dos Amigos de Sião, Mestre em Letras – Estudos Judaicos (USP).

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O que os usos e costumes proíbem e a Bíblia permite

Alguns por um zelo sincero, já, outros por falta de conhecimento teológico, acabam por pregar mais costumes humanos, do que doutrinas bíblicas.

Irmãs de cabelo comprido

O tema “Usos e costumes”[1] sempre foi motivo de discussão em muitas comunidades evangélicas, especialmente nas pentecostais[2], entretanto, devemos sempre lembrar que costume não gera doutrina, mas, doutrina gera bons costumes. No entanto, alguns por um zelo sincero, já, outros por falta de conhecimento teológico, acabam por pregar mais costumes humanos, do que doutrinas bíblicas, o que gera em muitos cristãos, um interesse maior pelos usos e costumes, do que propriamente pelos ensinamentos bíblicos.

Sendo assim, durante muito tempo, alguns líderes acabaram por perpetuar a propagação de suas ideias dogmáticas, através de proibições sem respaldo bíblico, proibindo seus membros de jogar bola, assistir televisão, ouvir rádio, e mais algumas regras de uso comum para todos, e outras que eram direcionadas as mulheres que não podiam cortar o cabelo, usar maquiagem, usar calça comprida e etc.

No entanto, com o passar do tempo, a maioria destas regras foram sendo abolidas, pois são doutrinas humanas, e que não contam com o devido respaldo bíblico. No entanto, sabemos que a maior parte destes líderes eram muito piedosos em sua espiritualidade, pois criam piamente que estavam agindo de modo correto, entretanto, faltou tanto para estes líderes, como também para estas comunidades, uma teologia mais profunda e um ensino doutrinário com mais qualidade.

 Teologia e Doutrina

A palavra doutrina deriva-se do latim doctrina, cuja forma verbal é docere que significa ensino; etimologicamente significa algo que é ensinado de forma sistemática. No contexto bíblico a doutrina significa qualquer ensino extraído da Bíblia a carta magna dos cristãos, contudo infelizmente são poucos os crentes que conhecem verdadeiramente as doutrinas bíblicas, poucos a estudam e poucos a amam de forma verdadeira.

Existem pelo menos três formas de doutrinas:

 Teologia (Doutrina) e os Usos e Costumes

Antropologia significa o estudo do homem, sendo que em suas divisões podemos encontrar a antropologia cultural que é a ciência que se ocupa com o que o homem tem descoberto ao longo dos tempos; esta divide-se em Linguística, Tecnologia, pré-histórica e social. Dentro do grupo denominado social estudam-se os costumes e tradições de uma comunidade, família ou organizações; podendo-se definir a palavra Costume no latim “suescere” que significa “acostumar-se com” sendo, alguma coisa com que alguém fica acostumado. Portanto, os usos e costumes são uma forma de expressão que demonstra o porte, a conduta, a postura e o comportamento pessoal, grupal ou comunitário. Sendo uma questão meramente humana, embora podendo em alguns casos estiver em harmonia com a vontade de Deus, desde que seja sempre como um derivado das doutrinas, pois os costumes não podem servir de regra de fé e conduta, mas no caso de um grupo adotar um grupo de doutrinas como no caso Bíblico, isto irá gerar bons costumes como o caráter, santificação, ética, moral e os valores cristãos.

Segundo o Pastor Antônio Gilberto da Silva consultor doutrinaria da CPAD, existem pelo menos três grandes diferenças entre doutrina bíblica e costumes[3].

A  – Quanto à origem:

  • A doutrina é divina
  • O costume em si é humano

B – Quanto ao alcance:

  • A doutrina é geral
  • O Costume em si é local

C – Quanto ao tempo:

  • A doutrina é imutável
  • O Costume em si é temporário

 Usos e Costumes no Pentecostalismo Brasileiro[4]

Desde o princípio do movimento pentecostal brasileiro, muitos líderes legitimaram sua fala por meio da oralidade e através dos Dogmas, sendo que em muitas comunidades pentecostais pelo país se seguiam as regras estabelecidas em convenções e que geralmente era fixado no quadro de avisos da Igreja e ensinado por meio de estudos nos chamados “Cultos de Doutrina”, onde se ensinava além do texto bíblico, os usos e costumes, o que gerou alguns radicalismos.[5] Esse radicalismo foi fruto da ausência de uma hermenêutica clara e de uma Teologia mais consistente, o que justificou uma compreensão equivocada na qual, muitos pastores e líderes acabaram por confundir Costumes com Doutrinas, o que de acordo com Araújo, definia a imagem do povo pentecostal nas primeiras décadas em solo brasileiro:

“Os usos e costumes estiveram profundamente arraigados à própria imagem que os pentecostais faziam de si mesmo e às representações estereotipadas, uniformizadoras, que a maioria dos brasileiros, ainda hoje mantem a respeito deles. [6]

Entretanto, os usos e costumes adotados por uma denominação não podem de maneira alguma ditar as regras de norma e fé de uma Igreja, entretanto, existem igrejas que contam com um grande elenco de costumes, mas quase nada de doutrina (Teologia) e o costume é imposto por convenções humanas de maneira espontânea ou obrigatória, sendo assim, o costume é humano, o que pode gerar a eisegese[7].

Infelizmente, em muitos lugares os “usos e costumes” se baseiam em “visões” e “revelações”, entretanto muitos se esqueceram que o verdadeiro propósito dos dons espirituais é de edificar, consolar e encorajar; mas nunca estabelecer “doutrinas”, “regras” e “preceitos”.

 Não devemos confundir doutrina com Usos e costumes

Sendo assim,  em algumas Igrejas  as Doutrinas de Deus tem sido confundida com as doutrinas dos homens o que se constitui em legalismo gerando costumes exacerbados, como proibições antibíblicas, como relata o pastor Ciro Sanchez Zibordi em um de seus livros uma experiência que ocorreu em uma igreja de uma certa denominação evangélica na cidade de São Paulo:

“O Obreiro fez uma pergunta a uma senhora assentada num dos últimos bancos do recinto, a qual usava um par de brincos. A senhora aí, já é crente? Ela balançou a cabeça positivamente e respondeu: Graças a Deus. Inconformado, o pastor voltou-se aos componentes do coral à sua direita e perguntou-lhes: irmãos, crente usa brinco? Nãããõ! Responderam. Em seguida, dirigiu-se à mocidade: Jovens, crente usa brinco? Nããão! Olhando novamente para aquela irmã, bastante envergonhada e constrangida, o pastor disse aos diáconos: Tragam essa senhora aqui, pois ela precisa entregar a sua vida a Jesus! Os diáconos, também constrangidos, cumpriram a ordem do obreiro local: pegaram a senhora pelo braço e a conduziram a frente do púlpito…” [8]

 Não precisamos do legalismo, pois em Cristo somos suficientes

Por fim, esse triste episódio relata o quanto algumas denominações compreendem de forma errônea o processo de santificação que ocorre de dentro para fora e não de fora para dentro (I Ts 5:23). Em Jesus, somos livres de todo o julgo e assim devemos procurar ultrapassar a barreira das diferenças e proclamar a Cristo através de nossas ações de Serviço que irão apresentar o Senhor como solução para a sociedade dos dias atuais, pois viver no Espírito no meio de uma sociedade injusta é ter uma vida de vitória. Portanto, nosso Senhor Jesus deseja que todos conheçam a verdade para que possam ser verdadeiramente livres: “Se, pois, o filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8:36sem preconceitos ou dogmas meramente humanos, mas por meio do conhecimento da palavra que é libertador e gera mudança de mentalidade, pois em Cristo temos a perfeita suficiência.  No entanto, devemos diariamente buscar a prática do fruto do Espírito que são expressões do caráter de Cristo em nossas vidas. De acordo com o pastor John Macarthur:

“Há suficiência em Cristo? Absoluta suficiência. O desafio para nós é conhecermos melhor a Cristo, servi-Lo fervorosamente e sermos mais conformados à sua imagem”.[9]

A ação do Espírito em favor de cada cristão vai transformando este de glória em glória de valor em valor, fazendo com que cada cristão se torne mais parecido com Jesus. Refletindo sobre o tema “usos e costumes”, concluo este texto com as sábias palavras do pastor Altair Germano:  “Prefiro a promoção de uma tomada de consciência quanto ao bom senso e ao pudor, fundamentados nos princípios espirituais, éticos e morais da Santa Palavra de Deus. [10]

[1] Para compreender melhor o tema, você pode ler este livro:  O que a Bíblia permite e a Igreja proíbe, escrito pelo pastor e professor Ricardo Gondim e editado pela editora Mundo Cristão.
[2] Para compreender melhor os “Usos e Costumes” no pentecostalismo brasileiro, você pode consultar o blog do historiador Mario Sérgio Santana: http://mariosergiohistoria.blogspot.com.br/2015/08/usos-e-costumes-nas-ads.html.
[3] GILBERTO, Antônio. Manual do CAPED. CPAD: Rio de Janeiro, 2000.
[4] Compreende-se por costumes, um conjunto de hábitos, normas e dogmas.
[5] De acordo com ARAÚJO (2014), havia forte conotação para os usos e costumes e restrições ao vestuário, ao uso de bijuterias, aos produtos de beleza, ao corte de cabelo, como destacados pelas famosas resoluções expostas em convenções, como a resolução das Assembleias de Deus em São Cristóvão, Rio de Janeiro, em de junho de 1946.
[6] ARAÚJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. CPAD: Rio de Janeiro, 2015.
[7] Eisegese: Interpretação de fora do texto para dentro,  diferente da Exegese, que é a interpretação do texto a partir das regras de interpretação e do texto hebraico e grego.
[8] ZIBORDI, Ciro. Evangelhos que Paulo jamais pregaria. CPAD:Rio de Janeiro, 2006.
[9] MACARTHUR, John. A Nossa suficiência em Cristo. Editora Cultura Cristã: São Paulo, 2011.
[10] GERMANO, Altair. Usos e Costumes Assembleianos: Curiosidades.  Disponível em: http://www.altairgermano.net/2009/04/usos-e-costumes-assembleianos.html. Acesso em 07 Jan 2018.