29/10/2010 – 07h30
Fonte:Folha.com
DANIELA LIMA
DE SÃO PAULO
Responsável pela encomenda de 2,1 milhões de panfletos contra Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos, disse à Folhaestar "aliviado" com pronunciamento do papa Bento 16 ao clero brasileiro.
Ontem, o pontífice recomendou o engajamento de padres em questões políticas.
Dom Luiz recebeu a reportagem em sua casa, acompanhado do advogado da diocese de Guarulhos, João Carlos Biagini. Por pelo menos quatro vezes, Biagini interveio na entrevista, sob a alegação de esclarecer o discurso do bispo.
Aos 74 anos, dom Luiz, reafirmou sua posição "em defesa da vida", condenou o voto na petista, e desviou do assunto quando perguntado sobre o suposto aborto que teria sido feito por Mônica Serra. Ele também disse que, apesar de contrário à prática do aborto, não é a favor da prisão de mulheres que recorrem a ele.
Dom Luiz disse ainda que se considera "vitorioso" por ter defendido a colocação do assunto na pauta eleitoral. "O meu candidato é o próprio Cristo. E o meu partido é o Evangelho", afirmou.
FOLHA- Como o sr. avalia as declarações do papa? Acha que ele estava acompanhando a repercussão de questões ligadas à religião nas eleições brasileiras?
dom Luiz – Eu não posso dizer com certeza, como dois e dois são quatro, mas pelo conhecimento que temos da diplomacia do Vaticano, das informaçãos que goza o Papa, tenho para mim que essa posição que ele assumiu foi, em parte ao menos, motivada pela situação que nós temos aqui. Tem o consulado do Vaticano, que é o representante do papa junto ao governo e ao clero brasileiro. Além disso, há uma equipe de diplomatas do mundo todo que estão acompanhando eventos de todos os países. Sei que há brasileiros que informam [o papa] dessa situação que estamos vivendo no Brasil, principalmente durante a campanha política, e acho que isso motivou o santo padre a esse discurso em defesa da vida e dos direitos fundamentais.
O sr. acredita que esse pronunciamento do papa vai encorajar padres e bispos brasileiros?
Efeito terá, mas não posso afirmar que esse efeito será generalizado e assumido por todo o clero. Mas em uma boa parte do clero brasileiro acho que sim.
Cada um de nós conhece as obrigações que tem e, por atitudes erradas, ou omissões, terá que prestar contas não a mim, mas a Deus. Eu aponto o caminho, mas não tiro liberdade de ninguém. A minha certeza é a verdade do evangelho. O meu candidato é o próprio Cristo. E o meu partido é o evangelho.
O sr. acredita que essa mobilização é um fruto da mobilização que o sr. fez?
Eu acredito que sim. Não só do meu trabalho, mas da minha equipe né? Eu estou à frente, mas com a colaboração de minha equipe. Foi a Igreja no Brasil que chegou lá.
O sr. se sentiu aliviado com o discurso do papa?
Muito. Muito aliviado. No começo fui combatido. Essa palavra do papa me alegra, justamente por ele estar defendendo agora aquilo que eu vinha defendendo.
O sr. tomou conhecimento de reportagem que deu conta de um suposto aborto feito por Mônica Serra?
Eu ouvi dizer. Eu soube. Agora, veja bem, às vezes, mesmo o aborto provocado, às vezes, tem um atenuante. Não estou aprovando, hein, não estou aprovando o aborto em absoluto.
[O advogado do bispo interrompe]
João Carlos Biagini -Dom Luiz, deixa só eu falar um negócio. O dom Luiz está trabalhando em cima de documentos. Documentos do PT, o evangelho e a fala do papa. Esse negócio aí, para ele comentar, não tem como comentar. Eu posso falar para você que se juntar três pessoas aí e falar que eu andei nu na beira do Tietê em 1900… é uma história difícil de comentar. Aqui [sobre o PT] nós temos prova.
[dom Luiz retoma a entrevista]
dom Luiz – A minha posição nunca foi a favor do José Serra (PSDB). Aliás, no artigo que originou tudo isso eu deixo claro que sou contra o aborto, contra a senhora Dilma e contra qualquer candidato que o defendesse, independente do partido a que pertencesse. Eu não pedi voto a nenhum candidato. Eu pedi simplesmente para não votarem na Dilma.
Mas agora nós temos apenas dois candidatos…
Lá no primeiro turno, não indiquei candidato nenhum, pedi que não votassem nela. Agora, por coerência, no segundo turno, eu continuo dizendo: não vote na Dilma. Mas eu nunca disse: vote no Serra.
A minha posição é una. Aquilo que eu falo eu assino, e confirmo. Eu não sou como a candidata que mudou muitas vezes de posição e do dia para a noite virou católica. A posição do PT, o ideário do PT é muito perigoso.
O sr. acha que mulheres que fazem aborto devem ir para a cadeia?
Olha, eu não chego a esse ponto. Eu sou contra o aborto e tenho pena da mulher que aborta. Às vezes, as coitadas são vítimas de maus tratos. Eu não condeno a pessoa. Eu condeno o ato.
[O advogado interfere novamente]
João Carlos Biagini – O que precisa, né dom Luiz, é ter um tratamento desde o início da concepção, né? Um acompanhamento. Para que não aconteça isso. Não simplesmente aprovar o aborto.
[dom Luiz retoma a entrevista]
dom Luiz – É. Exato. Aqui em Guarulhos, por exemplo, tem um padre que faz um trabalho muito grande e que evitou muitos abortos, conversando e dando apoio.
O sr. acha que o posicionamento do papa pode provocar uma mobilização capaz de influenciar os resultados apontados hoje pelas pesquisas?
Só Deus pode responder quem é que vai ganhar, mas eu me julgo vitorioso. Mesmo que a Dilma vença, o fato de eu ter levantado esse problema compromete todos os eleitos a respeitar [a posição da Igreja]. A Dilma seria muito… como é que eu vou dizer…
[O advogado interfere pela terceira vez]
João Carlos Biagini – O que o dom Luiz está dizendo é que conseguiu introduzir uma agenda de valores para ser discutida, e não só aquela materialista, como se a pessoa fosse uma máquina de ser alimentada…
[dom Luiz retoma a entrevista]
dom Luiz – E mesmo assim, seja qual for a pessoa eleita, eu vou continuar a minha batalha. Seja quem for, eu não vou cruzar o braço.
O sr. acredita que, se Dilma for eleita, essa vitória significará uma derrota para a investida promovida por setores da Igreja contra a campanha dela?
Não. A verdade venceu. Esse problema era iminente com a eleição do PT e agora perdeu-se o pulso que tinha, mesmo porque depois das manifestações que houve, das manifestações do papa, eu não acho que houve um regresso. Houve um despertar de muitos católicos.
Cheguei a ouvir de petistas de caderneta ‘olha, eu ia votar no PT, mas depois de tudo o que o senhor falou não vou mais’. Eu digo que houve uma vitória da nossa parte, porque a vida venceu. Se ela tocar nesse ponto [aborto] vai encontar uma resistência enorme.
O sr. é a favor de padres se lançarem candidatos? A orientação pelo engajamento da Igreja deve passar pela representação via mandato?
Em tese não. A não ser em casos muito especiais. Houve um padre, Arruda Câmara, que a Igreja pediu que ele fosse candidato para segurar a aprovação do divórcio. O padre candidato é escolhido, não escolhe. Mas em tese eu sou contra. Porque qualquer candidato tem que ter partido político, e à medida que eu defendo um partido, me torno adversário de outros. E padre deve unir, não dividir.